Detentas do Presídio de Vespasiano confeccionam malas de viagem
Projeto beneficia internas, servidores, empregador e sociedade; produtos estão disponíveis online e no comércio local
Viajar é o novo pretexto para que mineiros pratiquem o consumo socialmente responsável. Detentas do Presídio de Vespasiano, na região Central de Minas, têm atuado em uma confecção de malas de bordo e frasqueiras, da marca belo-horizontina Portinari, instalada em um galpão da unidade prisional. O projeto, que começou em novembro de 2019, emprega 11 mulheres atualmente. Entre as tarefas desenvolvidas na linha de produção, estão montagem, colagem e costura.
Todas as peças - como revestimentos externos, forros, zíperes, rodas, puxadores - e instrumentos necessários para a manufatura são fornecidos pelo parceiro, que está satisfeito com a contratação. “Estou gostando dos serviços e recomendo a outros empresários. Planejamos aumentar nossa produção em Vespasiano”, diz o proprietário, Zengui Zhou. Os produtos estão à venda on-line e em diversos pontos comerciais de Belo Horizonte.
Os recursos gerados são divididos entre o empregador, o presídio e as trabalhadoras. Elas podem sacar os fundos quando deixarem a prisão, no pecúlio, configurando-se como uma chance de sobrevivência imediata e, até mesmo, forma de investir em uma microempresa. Os dias trabalhados são ainda convertidos em remição de pena.
O maior benefício, no entanto, é a ressocialização dessas pessoas, que podem sonhar com um futuro diferente. “É bem melhor estarmos trabalhando do que paradas na cela, o tempo passa voando. E para a gente que já aprendeu todo o processo, saímos daqui com uma experiência. Queremos chegar lá fora com serviço, e não com a cabeça no crime”, afirma a detenta Poliana Spindola.
Futuro melhor
A interna Maristela Gomes da Silva, que atua na fabricação dos itens, faz planos para o dinheiro que receberá pelos serviços prestados. “Estou com o pensamento de deixar o presídio e comprar um carrinho de cachorro quente para empreender. Quero mudar de vida, porque preciso cuidar do meu filho, que é especial”, conta.
O cotidiano dos agentes é igualmente facilitado pela ocupação do público carcerário. “O perfil das presas que trabalham é muito diferente das que não recebem essa oportunidade. Trabalhando, elas podem ajudar a família, sentem-se valorizadas e estimuladas, ficam mais tranquilas, não trazem problema e quase não adoecem”, relata a policial penal e gerente de produção, Idelzuita Malheiros.
Não à toa, os planos a médio prazo da diretora-geral do presídio Eliane Coelho são ambiciosos: ter a maioria das internas em ocupações de trabalho. "Além da manufatura de malas, temos 37 mulheres trabalhando em serviços gerais, pequenos reparos elétricos e hidráulicos, limpeza e capina da unidade, e outras três cedidas ao Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade”, conta.
Eliane ainda afirma que, em 2020, a unidade está em contato com possíveis parceiros, inclusive do artesanato. “Com isso elas poderiam trabalhar dentro das celas, permitindo a atividade daquelas que estão em regime provisório", adianta.
De maneira semelhante, a diretora deseja encontrar uma parceria na área da alimentação, pois a unidade conta com uma infraestrutura na cozinha de qualidade, praticamente inutilizada até então, apesar de renovada e mantida por meio do trabalho das detentas. A população feminina foi transferida para o atual prédio em julho do ano passado.
Volta às aulas
Durante as últimas semanas de 2019, as detentas reformaram as salas de aula do presídio que integram a Escola Estadual Herbert José de Souza. Os ambientes foram pintados, tiveram as carteiras trocadas e o piso de concreto raspado e limpo. As classes receberão novas lousas antes do início do ano letivo.
O local ganhou também uma biblioteca que, no momento, possui mais de cem livros. A maior parte do acervo foi arrecadada pela Defensoria Pública, junto à Livraria e Editora Scriptum. A leitura é um dos caminhos para a remição de penas e ressocialização dos indivíduos privados de liberdade.
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