Rio - “Puñheta” foi um jornalzinho que morreu antes de nascer.
Em 2005, estávamos, eu, Ykenga, do jornal “O Povo”; Ferreth, do “O Dia” e Leonardo do jornal “Extra” bolando um jornalzinho de humor que se chamaria "Puñheta".
Diagramamos, convidamos os colaboradores, fizemos a “boneca” e levamos o jornal para o Jaguar ver. O velho chargista vaticinou:
“Não gostei do nome. Não vai dar certo. “Bundas” não deu certo, isso também não vai dar".
E o jornaleco morreu ali, na mesa do Degrau, no Leblon.
Ninguém mais lembra dele. Nem nós.
Fiz esse preâmbulo para falar de um cartunista que também ninguém mais lembra dele: o santista Dino.
Accindino Souza Andrade, ou simplesmente Dino, foi um dos grandes cartunistas brasileiros.
Dino nasceu em Santos, São Paulo, em 1920; em uma casa, na Rua do Rosário.
Ainda jovem foi para São Paulo trabalhar no jornal “O Governador”, onde também começou o cartunista Adail.
Em São Paulo, casou-se com Keka com quem teve seu primeiro filho, Francisco Eduardo.
Volta para Santos onde começa a trabalhar como chargista e caricaturista no jornal “A Tribuna”, onde ficou durante 55 anos.
Foi o cartunista que mais tempo trabalhou em um só jornal.
Monta a Cinex Propaganda, depois Sinex.
Accindino Andrade participou do nascimento da televisão brasileira (como diretor da Rebratel) e foi diretor do Santos Futebol Clube.
Foi amigo pessoal do ex-presidente Jânio Quadros, do ex-governador paulista Mário Covas o do piloto Wilson Fittipaldi.
O cartunista Geandré era fã do Dino. A carreira de Geandré como cartunista começou no suplemento infantil “A Tribuninha”, um suplemento no formato tablóide que era encartada no jornal “A Tribuna”, de Santos.
Foi lá que ele conheceu o ídolo Dino, que se tornaria referência para a sua formação de desenhista: “ele foi uma forte influência para vários artistas da região da Baixada Santista e quiçá para outros desenhistas brasileiros", disse.
Outro que era fã do cartunista, era o dramaturgo Plínio Marcos. Uma vez, durante a Ditadura Militar, Plínio estava detido na Polícia Federal esperando para ser interrogado. Sozinho numa sala, abriu “A Tribuna” e viu um enorme desenho de uma navalha encarando uma tesoura, feito pelo Dino. Aquele desenho lhe deu uma enorme coragem para enfrentar a ditadura: “Senti crescer em mim todos os compromissos que assumi na velha esquina da minha infância, em Santos. E pensei: podem vir, aqui estou eu. E nesse tempo todo de censura não arreguei nunca. E sempre andava com o recorte de “A Tribuna” com o desenho do grande Dino no bolso”.
Assim como o cartunista Otelo Caçador foi o primeiro a chamar Pelé de “Rei do Futebol”; Dino, foi o primeiro chargista a fazer a caricatura do Rei, em 1957, no jornal “A Tribuna”.
O menino Edson Arantes do Nascimento, tinha apenas 17 anos e começava sua gloriosa trajetória no Santos Futebol Clube. Ainda não era o “Rei Pelé”.
A caricatura de Pelé, ainda de fraldas, lhe valeu um prêmio da Pepsi-Cola, 17 anos depois.
O artista retratou figuras importantes da cidade de Santos, como a artista e ativista política Pagú, além de diversos políticos locais e figuras de renome nacionais e internacionais.
Dino teve um papel importante no Universo das charges, tendo trabalhos que anteviram situações políticas, como a charge premiada em 1968, no Canadá. A charge mostrava a morte amamentando dois árabes, como uma previsão do que o mundo ocidental estaria vendo nos dias atuais.
O artista inovou criando, nos anos 60, a “Charge Aberta” um desenho interativo baseado no que escrevia o escritor Humberto Eco, onde um balão era deixado em branco para o leitor completar a piada, isso bem antes da Internet surgir.
O pai de Dino, Francisco Xavier de Paiva Andrade, que assinava suas obras com o apelido acróstico “Fedra”, foi também caricaturista, cartunista e chargista.
Dino desde cedo demonstrou aptidão para o desenho, tentando imitar o trabalho do pai. No entanto, seu pai o proibiu de estudar Belas Artes em São Paulo, com medo que o filho seguisse seus passos, pois segundo Francisco: “de humor ninguém vive”.
Mas o destino do menino já estava traçado. Depois de fazer sucesso e ganhar a vida como cartunista, Dino cunhou a frase: “Sem humor ninguém vive.”
Em 1973, Dino fez sua terceira exposição de trabalhos na cidade de La Chaux de Fonds, na Suíça, na exposição Artist du Brèsil, no lançamento do seu livro de humor La Mèdaille, editado em Lausaine, pelo Departamento Cultural da Delegação Permanente do Brasil em Genéve.
Ganhou o prêmio Ufficio Stampa Fiat em Bordiguera na Itália. Recebeu duas menções honrosas no segundo Concurso de Charges, Cartuns e Caricaturas da França, em 1985.
Criou também o logotipo vencedor do concurso do XII Encontro de Jornalistas do Interior em 1987.
Dino também tem no hall da fama do Maksoud Plaza, de São Paulo, um quadro exposto que ele fez para o cantor Julio Iglesias em 1982.
Em 2009, foi criado em sua homenagem, o “Salão Dino de Humor”, no litoral paulista.
Com todo esse currículo e apesar de sua importância para o humor e para a história da caricatura e da charge, os arquivos nacionais que falam das charges publicadas no Brasil e fora do país não citam o nome, nem mesmo o pseudônimo deste artista santista, falecido em 1996.
Dino não foi citado nos livros de Herman Lima, sobre a caricatura no Brasil, editado na década de 60 e nem mesmo no livro de Joaquim da Fonseca, que fala a respeito de caricaturistas do eixo Rio-São Paulo.
Dino não está nos livros, mas, com certeza, está na história da caricatura, da charge e do desenho de humor no Brasil.
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