Coluna

DON ROSSE CAVACA

Rio - Sou um apaixonado por frases. 

Admiro pessoas com talento para escrever frases curtas e citações inteligentes. 

Don Rosse Cavaca, era bom nisso.

Além de grande frasista, Cavaca foi jornalista, publicitário, radialista, ator e humorista.  

Nascido, José Martins de Araújo Júnior, em 27 de março de 1924, na Tijuca, bairro da zona norte carioca, Cavaca foi um jornalista criativo e bem humorado.

Já conhecia seu trabalho e seus textos, publicados na imprensa, mas a primeira pessoa que me falou sobre ele foi Otélo Caçador. Eram amigos. Bebiam juntos.

Tempos depois, conheci - num encontro de cartunistas promovidos pelos amigos e também cartunistas Ferreth e Amorim, na praia do Leme  - sua filha Márcia Araújo (dona do jornal “Copacabana”) que já dividiu a mesma mesa e a mesma garrafa com Cavaca e Otélo.  

Na adolescência, Cavaca estudou com Fernanda Montenegro e Fernando Torres no Instituto Rabello, na Tijuca. Aos 18 anos conseguiu o primeiro emprego no Instituto Félix Pacheco, como datiloscopista.

Sonhava ser jornalista esportivo. Aos 20 anos, a convite do jornalista Luiz Paulistano, começou a escrever para o “Jornal dos Sports”. Nesta época, assinava suas matérias como Araújo Júnior.

Em novembro de 1984, assinou contrato como repórter da Rádio Continental.

No final da década de 40, foi um dos jornalistas fundadores da “Tribuna da Imprensa”, jornal  do ex-governador Carlos Lacerda, apelidado de “O Corvo” - graças ao desenho de um abutre com a cara do líder udenista, criado pelo amigo Lan.

Começou como repórter esportivo, mais tarde, chegou a chefiar a equipe esportiva. Foi na redação da Rua do Lavradio que Araújo Júnior se transformou no genial e criativo Don Rosse Cavaca, assinando a coluna “Bate Bola” que, junto com “O Pênalty do Otélo”, no “O Globo”, eram as colunas mais lidas da crônica esportiva.

Don seria fruto de uma admiração confessa pelo herói Don Diego de La Mancha, visionário como ele e até de tipo físico semelhante. Rosse é como se pronuncia José, em espanhol. Cavaca era o tipo de lanche preferido por ele.

Cavaca e a família saíram do apartamento de Ipanema, em 1960, e se mudaram para o Condomínio dos Jornalistas, no Leblon, atraídos pelos vizinhos ilustres. E que vizinhança: Oduvaldo Viana e seu filho Vianinha, Paulo Mendes Campos, Homero Homem, Fagundes de Menezes, Sandro Moreyra, Adolfo Celli , Tônia Carrero, Cláudio Marzo, Lucélia Santos, Alceu Valença e o herói infantil Capitão Furacão.

Don Rosse Cavaca era naturalmente engraçado. Ria o riso elegante. Ria e fazia rir, como quem está feliz com a vida. Gostava de rir. Era inquieto. Na ausência de Carlos Lacerda, dono do jornal, Cavaca do alto de seus 1,87m, magérrimo, subia numa mesa da redação da "Tribuna da Imprensa" de cuecas e enrolado num pano branco e, imitando Gandhi, proferia discursos que provocavam risos em todos os jornalistas.

São suas as pérolas:
"Desgraçado é o goleiro, até onde ele pisa não nasce grama."

"A Bíblia conta à sua maneira que Adão também comia maçãs em outra macieira."

"O solteirão sem atrativos segue o destino: Cibalena à noite para dormir com algo feminino."

"Graças à liberdade de ir e vir, assegurada pela Constituição, o nordestino tem oito milhões, quinhentos e vinte e cinco mil quilômetros quadrados para morrer de inanição."

"Na situação em que me encontro, se puserem um revólver na minha frente eu o vendo imediatamente."

"A sífilis e as capitanias eram hereditárias."

"Não é para te elogiar não, mas o enterro do teu pai estava um show."

"Humoristas lutam agora por um mundo menos engraçado."

"Há milhares de notas falsas em circulação, mas tão prestativas que conquistaram a confiança de todos."

"Que corrupção é esta que a gente morre sem conseguir atingi-la?"

"Flagrei minha mulher me pegando em flagrante."

"Acredito na sua honestidade mas a quadrilha já está formada."

"Tem cura, doutor? Se tem, vamos desenterrá-lo."

"Só sabe contar pré-histórias."

Em 1961, Cavaca lançou o livro "Um Riso em Decúbito". Um livro original, como o jornalista. As páginas são escritas de um lado só e cada uma delas com apenas uma poesia ou uma frase.

O livro custava 995 cruzeiros e dentro vinha uma nota de 5 cruzeiros, como troco. O slogan era: “o único livro do mundo que já vem com o troco.”

A noite de lançamento do livro foi no “Gôndola”, famoso bar de Copacabana, frequentado pelo pessoal de teatro, onde Paulo Francis e o crítico de cinema Moniz Vianna, trocaram sopapos por conta de farpas que trocavam, através de suas colunas nos jornais.

O bar ficou lotado para a tarde de autógrafos, até o ex-presidente Juscelino Kubitscheck - na época, senador - compareceu para prestigiar o jornalista e acabou sentado ao lado do autor, autografando o livro.

O jornalista tinha três filhas - Cláudia, Flávia e Márcia - e Cássio, um menino nascido pouco tempo antes de sua morte, às vésperas do Natal de 1965, vítima de um acidente de lambreta. 

Ediel Ribeiro (RJ)

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Coluna do Ediel

Ediel Ribeiro é carioca. Jornalista, cartunista e escritor. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) do romance "Sonhos são Azuis". É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG). Autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty" publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ) e Editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!". O autor mora atualmente no Rio de Janeiro, entre um bar e outro.

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