Coluna

Atlas mostra genocídio de negros

- Marineth, conversava com a jornalista Magnólia da Rádio Arco-Íris no bar do Tilico, lá perto da Igrejinha do Rosário, sobre o importante livro “Desmilitarizar: segurança pública e direitos humanos” de Luiz Eduardo Soares, lançado pela Boitempo Editorial, quando me contou que num dos principais jornais de MG, um leitor postou o seguinte comentário no rodapé da matéria “Atlas da Violência 2019: denúncias de homicídios contra LGBT+ triplicam em Minas”:
“Podiam levantar a estatística, já que isso é em cima dos números da polícia, sobre qual o maior período em 24hs, que esses crimes acontecem. Parem com isso jornalistas esquerditas. Assassinatos de homens e mulheres tá chovendo nesse país há muito tempo. Phorra”.

- Você tá bem assanhadinho com essa Magnólia, heim, Athaliba! Depois das cervejinhas foram relaxar no Motel Carinhos e Carícias?

- Qualé, Marineth! Você nunca foi ciumenta. Tô falando de questão muito séria, gravíssima. O Atlas da Violência, estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, incluiu, pela primeira vez, estatísticas de violência contra lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e intersexuais. Os homicídios subiram de cinco em 2011 para 193 em 2017 no país; contando que em Minas Gerais, entre 2016 e 2017, o número triplicou. As denúncias foram feitas através do Disque 100, que registrou aumento de lesões corporais de 318 em 2016 para 423 em 2017.

- É, Athaliba, a indústria da violência, alimentada pelo narcotráfico, milícia e polícia militar, vai bater recorde com o decreto de flexibilização de posse e porte de armas. Através do Ibope, mais de 70% das pessoas se manifestaram contra a atitude de Bolsonaro. Esse governo pratica a política da morte.

- Bem, Marineth, o estudo mostra que 75,5% das vítimas de homicídio no país são negras, configurando maior proporção da última década. A taxa de mortes dessa parcela da população chega a 43,1 por 100 mil habitantes e, para não negros, a taxa é de 16. Os dados têm como base registros do Ministério da Saúde nas cidades em 2017, ano no qual ocorreram 65,6 mil homicídios, o equivalente a 179 casos/dia. Os novos dados permitem entender os números de forma mais aprofundada, com informações das vítimas como cor, idade e escolaridade.

- Pô, Athaliba, isso é genocídio do negro brasileiro.

- Não tenha dúvida, Marineth. É o que avalia Douglas Belchior, integrante da União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora (Uneafro). Ele diz que “é muito triste que ano após ano os números mostrem a óbvia permanência da violência e que isso não comova a sociedade, que isso não pare tudo e forme uma discussão sobre o problema. Não tem políticas no sentido de dar acesso à educação, trabalho e renda para a população negra. E, por outro lado, há uma política de segurança onde a polícia mata negros”.

- Athaliba, esse sistema é podre, excludente. A desigualdade é absurda. Insignificante percentual da sociedade detém toda a riqueza do país, enquanto significativa parcela sobrevive em condições de miserabilidade. Somente a instauração do poder popular no Brasil eliminará as aberrantes distorções,

- Marineth, que seja breve! Minha conversa com Magnólia, no bar do Tilico, era exatamente sobre a violência que cresce em Alucard, podendo levar a cidade a situação de faroeste devido a falta de arrecadação com o fim da exploração de minério de ferro pela Yale, já anunciada para o ano de 2025. E comentava com ela o trabalho de Luiz Eduardo Soares, antropólogo e cientista político, autor de nove livros e que foi subsecretário de Segurança Pública e coordenador de Segurança, Justiça, Defesa Civil e Cidadania do Rio de Janeiro.

- Aquele que foi exonerado no ano 2000 e teve de deixar clandestinamente o Rio de Janeiro e saiu do Brasil, com apoio da Polícia Federal?

- Ele mesmo, Marineth. Naquele ano lançou o livro “Meu casaco de general: 500 dias no front da segurança pública do Rio de Janeiro”, relatando o dia a dia da batalha pelos direitos humanos e contra a corrupção policial, irmã siamesa da brutalidade policial. Já acentuava que “o genocídio de jovens negros e de jovens pobres vinha se tornando mais evidente, ao longo dos anos 1980 e 1990, não só no Rio, onde, porém, acontecia com especial destaque e intensidade. O esforço que liderei contava com uma equipe destemida: éramos apenas sete, três homens e quatro mulheres, mas dispostos a mudar as instituições da segurança, o imaginário social relativo à questão e as políticas públicas na área”.

- Então as mulheres eram maioria na equipe destemida, Athaliba?

- Sim, Marineth. As denúncias dele sobre a banda podre da polícia, indicando que a corrupção chegara ao topo das instituições policiais, produziram grave revés. Ele declarou que “era tempo de fazer a guerra não contra moradores de favelas, mas contra a corrupção policial e seu par, a violência desse braço do Estado. Guerra total a qualquer custo, ou seríamos engolidos, as instituições seriam tragadas. Afirmava que corrupção tinha raízes na cúpula, associada a redes políticas e econômicas, e que produzia uma metástase cujo sintoma, à época, chamávamos ‘polícia mineira’, as futuras milícias. Decidi partir para o confronto aberto porque constatei que a conciliação, método importado da política, não funciona na polícia. Em vez de submeter os outros a nossa liderança, são aqueles que nos submetem a seu comando”.

- Athaliba, por que ele fez esses comentários?

- Marineth, porque dia 14/3 de 2019 foram executados a tiros a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson.Gomes. Ele diz que “esse crime bárbaro demonstrou, confirmando o que já se observara no fuzilamento da juíza Patrícia Acioli e o que já antecipara a CPI conduzida por Marcelo Freixo sobre as milícias, que a rede político-criminal no Rio de Janeiro não tinha limites. Em 12 de março foram presos quem matou e quem dirigia o carro que serviu ao assassino. Falta o mais importante: saber quem mandou matar, quem pagou pelo crime e com qual propósito”.

- Isso nunca será esclarecido, Athaliba? 

- Marineth, a trama sobre o crime ainda será esclarecida e os autores punidos. E te sugiro a leitura de “Desmilitarizar: segurança pública e direitos humanos”, assim como indiquei à Magnólia. Aproveito esta ocasião para rememorarmos o nosso saudoso poeta Antônio Crispim, com o poema “Além da terra, além do céu”:

“Além da Terra, além do Céu,
No trampolim do sem-fim das estrelas,
No rastro dos astros,
Na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
Até onde alcançam o pensamento e o coração,
Vamos!
Vamos conjugar
O verbo fundamental, essencial,
O verbo transcendente, acima das gramáticas
E do medo e da moeda e da política,
O verbo sempreamar,
O verbo pluriamar,
Razão de ser e de viver”.

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

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