Rio de Janeiro - Conheci Guidacci no “Última Hora”, do Samuel Wainer.
Alguns anos depois, voltei a revê-lo na Ilha Grande (RJ), num salão de humor, criado por um amigo comum, o cartunista Ferreth. Viramos amigos.
Boêmio, bom de copo e de papo, Carlos Jorge Guidacci da Silveira nasceu em Manaus, em 29 de agosto de 1939. Com sete anos, fez uma viagem de navio-gaiola com a família de Manaus para Belém.
A vocação para o desenho trazida da infância em Manaus, ficou mais latente em Belém. Desenhava todo dia. Com doze anos começou a pintar a óleo. Aos quatorze, fez sua primeira exposição no Teatro Amazonas.
Aos quinze anos, veio com a família para o Rio de Janeiro.
Fez curso de pintura na Escola Nacional de Belas Artes. Estudou gravura com Goeldi e gravura em metal com Edith Bhering - aluna de Cândido Portinari - em 1964, no Museu de Arte Moderna. No mesmo ano, chegou a ganhar o primeiro prêmio de xilogravura, no III Concurso Latino-Americano de Gravura, em Havana, Cuba.
Em 1966 fez uma individual de gravuras no Museu de Arte Moderna da Bahia. A carreira de gravador ia bem , mas o desenho, a ilustração e o cartum venceram as artes plásticas, quando ele, no mesmo ano, começou a fazer ilustrações para a Editora Vecchi.
Em 1970, começou a publicar no “O Pasquim”.
Nessa época, em uma viagem ao México, descobriu a arte de Posada - José Guadalupe Posada, gravurista e cartunista mexicano, célebre por seus desenhos e gravuras sobre a morte - que, a partir daí, o influenciou a seguir a carreira de caricaturista, chargista e ilustrador.
Publicou nos jornais “Última Hora”, “Jornal do Brasil”, “Repórter”, “Jornal do Commércio”, “Cartoon” e “O Globo”. Publicou, ainda, nas revistas “O Bicho”, “Status”, “Hoje”, “Homem”, “Close” e “Mad”. Seu último trabalho na imprensa foi no jornal satírico +Humor.
Jaguar era fã do Guidacci. Uma vez, ele disse: “Quando eu editava o "Pasquim" nos idos dos anos 70, sempre pedia para ver os desenhos de Guidacci antes de mandar para gráfica. O cara, naqueles tempos bicudos, era chave-de-cadeia”.
E muito louco.
Um dia, o apartamento vizinho ao dele, em Laranjeiras, na zona sul do Rio, pegou fogo. O fogo foi debelado, mas os corredores do prédio ficam tingidos de preto pela fumaça. A entrada do apartamento do Guidacci parecia uma boate. Tudo preto.
Como o síndico do prédio não tomava as providências, ele, então, teve a idéia de convidar vários amigos cartunistas para desenhar nas paredes do prédio. Ficamos lá, eu, Nei Lima, Ferreth, Gecelmo, Brown, Carla, Fani Loss e Liliana Ostrovski, desenhando nas paredes e tomando todo o vinho da adega do cartunista. O surgimento de “uma galeria de arte exótica”, nos corredores do prédio fez o síndico, finalmente, resolver pintar o prédio.
Guidacci é assim. Crítico e irrequieto, com seus desenhos, suas observações e intervenções urbanas procura mudar a realidade da cidade e do país, como nos tempos em que publicava nos grandes veículos da imprensa brasileira.
Em “O Pasquim”, por causa da charge “Achado não é Roubado”, sofreu um processo e foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional.
“Fui anistiado, mas não anistiei os ditadores” - disse, irônico.
Pendurados na fama do “Pasquim”, Guidacci, em meado dos anos 70, juntou-se a Nani, Duayer, Coentro e Jésus Rocha para fundar o “Pingente”, um jornalzinho anarquista, misto de “Pasquim”, “Harakiri” e “Village Voice”.
Assumidamente nanico, moleque e irresponsável, o semanário lançado em 6 de junho de 1977, com uma grande festa no Teatro Rival, no Rio de Janeiro, publicou cartunistas de todo o Brasil, entre eles Reinaldo, Demo, Nilson e o escritor e roteirista Alexandre Machado.
O cartunista publicou vários livros: “O Crocodilo”, uma adaptação para os quadrinhos, de um conto de Dostoiévski; o livro de charges “Não Faça Tragédia”, publicado pela Editora Codecri (1982); "O Cangaceiro do Futuro e o Jumento Espacial", junto com o cartunista Klévisson Viana, pela Editora Tupynanquim e “Camisa Preta”, com texto de Nani, em 2010, pela Adler Editora.
Guidacci é ateu. Não acredita em Deus nem no Bolsonaro, que, segundo ele, acha que é Deus.
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