Rio - Eu começava a ler ‘O Pasquim’ pelas entrevistas.
As entrevistas eram a atração principal de cada edição. Praticamente todos os grandes nomes do Brasil, daquela época, foram entrevistados pelo jornal.
Entre 1969 e 1991 - tempo em que ‘O Pasquim’ circulou - foram, certamente, mais de 1.200 entrevistas.
Passaram pelas páginas do hebdomadário nomes como Leila Diniz, Cazuza, Madame Satã, Jânio Quadro, Lula - que deu ao ‘O Pasquim’ sua primeira entrevista a um grande jornal - Mário Quintana e Ibrahim Sued, entre outros.
‘O Pasquim’ mudou completamente o jeito de fazer entrevista na imprensa brasileira. Não só pelo conteúdo como pela forma. Jaguar dizia que ‘O Pasquim’ tirou o terno e a gravata do jornalismo.
A forma escrachada como eram publicadas as entrevistas me encantava. Mais tarde, quando editei o ‘Cartoon’, copiei o estilo. Eu e toda a imprensa.
Não havia pauta. Nem regras. Os entrevistadores começavam falando de um assunto qualquer e a entrevista ia ganhando rumo. Às vezes, a conversa seguia sem rumo. Era como uma conversa de botequim. Uma zorra etílica.
A conversa era publicada exatamente como as pessoas falavam. Quando as pessoas riam, eles escreviam lá: (risos). A linguagem era bastante informal, com erros gramaticais, gírias e palavrões. Algo impensável no jornalismo da época.
A fórmula fez sucesso. Mas, ao contrário do que muitos pensam, o estilo criado pelo jornaleco não foi algo saído das mentes brilhantes dos jornalistas - como quase tudo no jornal -, surgiu por acaso.
A primeira entrevista d’O Pasquim, foi feita com o colunista social Ibrahim Sued. Depois da entrevista, surgiu a questão: quem iria transcrever a entrevista?
A missão ficou a cargo do Jaguar. O cartunista não tinha nenhuma experiência jornalística. Com o prazo de fechamento apertado, Jaguar resolveu entregar a entrevista como tirou do gravador.
Tarso de Castro, o editor, pegou as folhas datilografadas e quase teve um treco. “ Mas, Jaguar, você não copidescou?”
“Copidescou? Que porra é copidesque?”, perguntou Jaguar.
Aquela altura, o jornal tinha que rodar, e não havia mais tempo para “enxugar o texto” e as páginas seguiram como Jaguar transcreveu, criando um estilo.
A partir dali, muitos outros foram escalados para transcrever as entrevistas - sempre seguindo o estilo da primeira. A poeta Olga Savary - ex-mulher do Jaguar -; a jornalista Martha Alencar; o escritor Sérgio Cabral; o secretário Glauco de Oliveira; Wilma Vieira - ex-mulher do Ricky - e o cartunista Amorim.
A partir de 1972, com a criação do cargo de Editor de Entrevista, Ziraldo trouxe de Minas Gerais o jornalista Rick Goodwin, que ocupou o cargo até 1986.
Jornalista, escritor, redator, roteirista e ótimo contador de histórias, Ricky incorporou às entrevistas elementos que se tornaram clássicos nos papos d’ ‘O Pasquim’, tornando-os mais engraçados.
Rick era o único que não bebia. Tinha que estar sempre atento às fitas do gravador que em determinados momentos paravam de girar — e tinham de ser trocadas de lado.
Rick é um arquivo vivo das histórias de 'O Pasquim’. Aqui, ele conta várias delas:
“Uma das primeiras entrevistas das quais participei foi com o compositor Lupicínio. Começou num apartamento em Copacabana, aí resolveram ir beber num bar da esquina, ficaram até o bar fechar, e foram para outro, aí, emendam num inferninho, e a entrevista terminou com todos sentados na areia da praia, com Lupicínio tocando violão e cantando suas músicas.”
Outra:
“A entrevista com Flávio Cavalcanti foi encerrada bruscamente quando insuflados pelo álcool e as insinuações de Cavalcanti, Tarso e Ziraldo chegaram às vias de fato, esparramando os móveis da sala.”
Mais uma:
“Outra que não acabou bem foi a entrevista com Agnaldo Timóteo, que esculhambou os "intelectualóides" do ‘Pasquim’ por ignorarem preconceituosamente o tipo de música que ele fazia, isso, depois de repetir que Caetano, Chico, Tom Jobim, eram todos uns merdas.”
Uma com Chico:
“Ou uma longa entrevista com Chico Buarque, do começo da tarde à noitinha, no Bar Lagoa, no Rio, na qual contou diversos episódios inéditos de sua vida, como sua diversão roubando automóveis.”
Sobre Leila Diniz:
“Outra sensacional foi a famosa entrevista com Leila Diniz, em novembro de 1969. Num clima totalmente informal — cheia de palavrões. As mulheres de então não diziam palavrão nem quando dava topada. Mas, para Leila, o palavrão era gostoso e uma coisa normal.” Como publicá-la tirando os palavrões, que eram abundantes? Com os palavrões seria impossível, o governo militar censor apreenderia imediatamente a edição. Tarso teve então a ideia de substituir cada palavrão por um asterisco.”
Sobre Tim Maia:
“Ou a louca entrevista com Tim Maia, em que ele encasquetou que Jaguar era um delegado que tinha vindo para prendê-lo por consumo de drogas. E não deixou ninguém entrar no apartamento.”
Sobre o silêncio do poeta:
“Mais difícil só a entrevista com o poeta Mário Quintana. Alguém fazia uma pergunta e ele abanava a cabeça. E ficava em silêncio. E continuava em silêncio. A entrevista foi publicada assim, com longos espaços em branco.
Como disse Ivan Lessa: Os silêncios de Mário Quintana são mais eloquentes do que muitos poemas.”
Comentários