Rio de Janeiro - Domingo à noite, 4 de outubro. Faltam poucas horas para terminar o prazo para enviar a crônica para o jornal e eu ainda não tenho ideia do que escrever.
De repente, do nada, Sheila me perguntou: por que você não escreve sobre o cartunista palestino Naji Al-Ali? Ela havia lido seu livro “Uma Criança na Palestina” e achou a história do cartunista fascinante.
E É.
"Uma Criança na Palestina - cartuns de Naji Al-Ali” (Editora Martins) reúne o trabalho de um dos maiores cartunistas do mundo árabe. Naji Al-Ali é venerado em toda a região por sua franqueza, honestidade, humanidade e seu humor ácido.
O personagem principal de seus desenhos é Handala, um garoto palestino que vive em um campo de refugiados - assim como viveu Naji Al-Ali, quando criança.
Através de sua criação mais célebre, o cartunista critica a brutalidade da ocupação israelense, a corrupção dos regimes da região e o sofrimento do povo palestino.
A revista “Times” o descreveu dizendo: “Este homem desenha com ossos humanos”. Já o jornal “Asahi”, do Japão, escreveu: “Naji Al-Ali desenha usando ácido fosfórico”.
A vida de Naji é paradoxal. Tudo que é farto, belo e poético em sua obra é escasso, miúdo, triste e miserável em sua vida.
O cartunista nasceu na aldeia palestina de Al-Shajara, na Galiléia, em 1938. Quando Israel ocupou a Palestina e se declarou independente, em 1948, metade da Palestina foi devastada. As aldeias foram destruídas e 750 mil palestinos foram expulsos da Palestina.
Naji fugiu com sua família para o campo para refugiados de Ain Al-Hilweh, perto de Sidom, no sul do Líbano.
Mais tarde, descrevendo sua infância no campo de refugiados, Naji escreveu: “Eu tinha dez anos quando viemos para o campo de refugiados de Ain al-Hilweh. Estávamos com fome, tontos e descalços. A vida no acampamento era insuportável, cheia de humilhações diárias, governada pela pobreza e pelo desespero.”
Naji Al-Ali foi um dos cartunistas mais proeminentes do mundo árabe. Sarcástico, ousado e pungente, os cartuns de Al-Ali refletiam a dor, o caos e a humilhação de sua experiência como refugiado e moldaram claramente sua postura política nas críticas cáusticas que fazia à ocupação israelense, à política dos EUA no Oriente Médio e aos regimes e líderes árabes.
Em 1959, Naji ingressou na Academia de Belas Artes de Beirute para estudar pintura. Ele foi perseguido continuamente pela polícia secreta libanesa e preso várias vezes durante seu primeiro ano. Pouco depois, ele foi forçado a deixar a academia. Foi preso em 1961, no Líbano, e passou 25 dias na prisão como prisioneiro político.
Durante sua detenção, ele desenhou em qualquer coisa que pudesse pôr as mãos - papel, as paredes das celas e tecidos.
Após sua libertação, Naji trabalhou como instrutor de desenho no Ja'fariya College, em Tyr, sul do Líbano.
Em 1963, Naji mudou-se para o Kuwait, onde trabalhou como editor, cartunista, designer e produtor para a revista semanal pan-árabe “Al-Taliya”.
Trabalhou também para o diário kuwaitiano “Al-Siyasa”, em 1968 e para o jornal libanês "Al-Safir", em 1974.
Em 1983, ele retornou ao Kuwait para trabalhar para o “Al-Qabas” e depois se mudou para Londres onde trabalhou para a edição inglesa do jornal, até sua morte em 1987.
Ele usou sua caneta para lutar pela libertação de sua terra natal, a Palestina. Graças a seu sarcasmo incomparável e críticas ousadas, ele rapidamente estabeleceu sua reputação no mundo árabe.
O cartunista era muito amado e também odiado por seu trabalho. Recebeu diversas ameaças de morte. Em 22 de julho de 1987, em Londres, Naji foi assassinado com um tiro no rosto enquanto caminhava para a redação do jornal “Al-Qabas”. Morreu no hospital, em 29 de agosto de 1987, aos 50 anos. Seu assassino nunca foi preso.
Mesmo após sua morte, os cartuns de Naji Al-Ali (mais de 40 mil desenhos), vistos através dos olhos do menino refugiado chamado Handala - uma criança palestina amargurada pela vida cruel e humilhante de um refugiado - ainda atraem leitores de todo o mundo. Handala se tornou ícone para o povo palestino.
“Sou acusado de ser tendencioso e não nego. Não sou neutro, estou do lado dos pobres ”, escreveu ele.
Comentários