Coluna

PÁGINAS E FOLHAS

FOTO: PEXELS.COM

Há um clichê sobre nossas vidas serem páginas em branco a serem preenchidas por nós mesmos, todos os dias. Que nossa vontade é suficiente para que ela seja colorida e cheia de vitórias sobre o que queremos ser. No entanto, ninguém pode assegurar ser dono do seu destino, quando as nossas vitórias dependem de algumas derrotas de outros, e assim, sucessivamente, as nossas derrotas são as vitórias de alguém. O mundo funciona como um quebra-cabeças que vai se arrumando e as nossas páginas, antes mesmo de sua brancura, são objetos presos, amarrados em um livro, sujeitas à numeração e a um caminhar até o seu fim.

Não, não escrevemos nosso destino, quando, decididamente, não somos iguais, e nem mesmo nossa história pode ser repetida por outros, que nascemos diferentes no pensar, na condição social e outras coisas. Às vezes somos um livro já pronto, adotados por uma cultura, por um mundo que não conhecemos. Nossos olhos se abrem para conhecê-lo e as páginas podem ser determinadas bem antes de imaginarmos o que poderíamos ser. E quando o aceitamos somos, eternamente, páginas.

Acredito que antes de páginas devemos ser folhas. A mesma denominação que damos às páginas de um livro. As folhas, diferentemente, não são presas, elas adquirem outras transformações, outras metáforas; as folhas não são fixas, elas podem ser muitas outras coisas.

Folhas podem ser entregues ao vento, podem ter liberdade de poder fluir pelo mundo. Folhas nascem todas as horas, se renovam, morrem, se tornam outras folhas, páginas não; páginas são estáticas e apenas se guardam ou são guardadas, e presas podem ser preenchidas por qualquer um.

Podemos ser folhas em branco, quando rompemos com nossas histórias, reformulamos nossos pensamentos, folhas não estão presas a um livro, folhas estão soltas; folhas soltas são o melhor símbolo de liberdade.

Quando decidimos reformular nossas vidas, são as folhas em branco que decidimos preencher, e nem mesmo sabemos como descrever nelas as nossas estratégias, só sabemos que ela não será uma folha comum. Decidir não é fácil e também não é fácil a vida das folhas soltas, perdidas e vagando com o vento. Não sabemos aonde vão parar, e é essa procura, esse descobrimento que nos transformam em folhas, pesadas com nossos pedidos, ou leves com nosso desprendimento.

A diferença entre a página e a folha é que a página estará sempre presa a um livro e o seu destino é ser guardado em uma estante. A página arrancada é a folha que finalmente vai ser preenchida e voar com o vento.

Nilson Lattari

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Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

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