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ENTREVISTA COM O CARTUNISTA OTÉLO CAÇADOR - PARTE II

otelo caçador vestindo a camisa do flamengo
Otélo Caçador com a camisa do Flamengo, seu time de coração (Foto: Divulgação)

Rio - Na década de 90, eu editava o “Cartoon”, um jornal de humor com “os órfãos do Pasquim”, uma galera, que, com o fim do semanário carioca, ficou sem ter onde publicar. Junto com os cartunistas Jaguar (Pasquim), Ykenga (O Povo), Ferreth (O Dia) e Leonardo (Extra), fui entrevistar Otélo Caçador. 

Otélo - para quem não sabe - foi um cartunista que fez durante 33 anos uma página de humor - Penalty do Otélo - no jornal “O Globo”.

Otélo nos recebeu no bar Degrau, no Leblon, onde, entre um gole e outro, falou durante cinco horas sobre o Leblon, música, boemia, mulheres, amigos, humor e, claro, futebol. (Ediel Ribeiro)

Ediel – É verdade que o Zezé Moreira uma vez quis te pegar por causa de uma charge?

Otélo – É. Uma vez aconteceu uma coisa engraçada em Londres, na Copa de 66: ele não me conhecia pessoalmente e nós pegamos o elevador juntos. Só eu e ele no elevador. Eu calado e ele começou a falar comigo: “o senhor é brasileiro?” (risos). “O senhor é jornalista?” (mais risos). Eu continuei calado (fazendo cara de medo). E o elevador não chegava nunca. Nessas horas o elevador demora pra burro (risos).

Jaguar – Por que ele tinha o apelido de Zezé Cavalo?

Otélo – Ele dava muita porrada quando jogava.

Ediel – Mas você deu umas porradas no Roniquito…

Otélo – Aquilo foi briga de bêbados.

Jaguar – O Henfil odiava futebol. Não ia ao Maracanã. Você gosta de futebol?

Otélo – Teve uma época que eu gostei mais, depois fui enchendo o saco com negócio de assalto, arrastão…

Ykenga – É verdade que você não atravessa túnel?

Otélo – (rindo) Atravessar túnel, hoje em dia, é uma aventura. Tem assalto. Mais eu não gosto é de túnel que tem curva (risos). Túnel reto não tem problema, que você vê o outro lado.

Ediel – Você criou expressões como “Placar Moral”, que são usadas até hoje…

Otélo – Criei. Crei o “Placar Moral”, “Leiteria”, “Campeão Moral”… 

Ediel - Você foi o primeiro a chamar o Pelé de o “Rei do Futebol”?

Otélo - Tinha visto um filme do Victor Mature, “O Rei do Futebol”, sobre futebol americano, rugby. E no Brasil tinha rei de tudo: Rei do Baião, Rei do Rádio… Aí eu lancei o Zizinho como Rei do Futebol. Desenhei o Zizinho com coroa, cedro e tudo. Mas não colou. Depois, com o Didi, também não colou. Quando fiz o Pelé, colou na hora, porque ele realmente era o rei. Hoje, o Pelé diz que foi a imprensa francesa que deu a ele o título de rei do futebol. Mas ele ta certo. Entre um cronista do Leblon e a imprensa francesa, ele preferiu a imprensa francesa que dá mais cartaz a ele.

Ferreth – E o “Diploma de Sofredor”?

Otélo – Quando eu criei o “Diploma de Sofredor” , por incrível que pareça, aumentou a tiragem do “O Globo” às segundas-feiras. As pessoas compravam o jornal e recortavam o diploma para sacanear os amigos. Depois eu fiz o escrete dos pernas-de-pau, porque na época havia o escrete dos cobras, ai eu inventei e fiz com os piores da semana, mas eu só procurava botar cobras: Roberto Dinamite, Zico… Também criei frases como “Pênalti não é coisa que se perca” e “Nada mais discutível que o pênalti indiscutível”, entre outras.

Ediel – Você disse uma vez que tudo que Pelé fez, Zizinho fez. Só que sem a televisão. Você acha Zizinho melhor que Pelé?

Otélo – Eram dois artistas. Artistas não se comparam. É comparar Francisco Alves com Orlando Silva. Agora, o Pelé era mais perfeito. Tinha o jogo aéreo. O Pelé subia três estágios, como o foguete.

Ediel – Era como o Dario, que dizia que parava no ar?

Otélo – É. O Dario dizia que só havia duas coisas que paravam no ar: ele e o beija-flor.

Ediel – É verdade que você se inspirou na coluna “O Pangaré” do Haroldo Barbosa para fazer o “Penalty do Otélo”?

Otélo – É verdade, sim. A coluna do Haroldo Barbosa, mesmo quem não gostava de cavalos, lia.

Ykenga – Você tem algum livro publicado?

Otélo – Tenho. Tenho dois livros publicados: Livro Negro do Penalty – 1 e Livro Negro do Penalty – 2. O primeiro chegou a vender 25 mil exemplares. Um recorde, na época. Eu comprei um apartamento em Laranjeiras com o dinheiro do livro. Aí fiz o segundo e não aconteceu nada.

Jaguar – Aí teve que vender o apartamento (risos).

Ykenga – O que você tá fazendo hoje?

Otélo – Hoje eu sou rico (risos). Ah, e faço uma página de humor às segundas-feiras no jornal “Extra”.

Ediel – Você sempre viveu da sua arte?

Otélo – Todo o dinheiro que eu ganhei na minha vida, ganhei desenhando. Cheguei a ter três apartamentos na zona sul.

Ykenga – Quantos jornais havia na época?

Otélo – Quantos tinham eu não sei, mas fecharam 17: “Vanguarda”, “Diário da Noite”, “O Jornal”, “Correio da Manhã”, “Luta Democrática”, “Última Hora”…

Ykenga – Tinha também “O Diário”.

Otélo – Fechou também.

Ediel – Quando você foi chamado pelo O Globo, pensava ficar lá 33 anos?

Otélo – Não. Não pensava. Jornal, você sabe, é emprego flutuante. Hoje você tá aqui, amanhã não tá mais.

Leonardo – O sucesso foi rápido?

Otélo – Há foi. Eu recebia cartas de todo lugar do Brasil. Vinham cartas do Ceará. Guaporé. Cidades que eu nem sabia que existiam.

Jaguar – Guaporé devia ser o Sarney que tava te escrevendo (risos).

Ykenga – Você tem fama de ter sido um grande boêmio.

Otélo – Todos os meus ídolos da época eram boêmios: Ary Barroso. Eu com 19 anos já tomava porre com Ary barroso. A figura mais popular do Rio era o Ary Barroso. Ele trabalhava no rádio, na televisão, no jornal. Tinha uma seção no jornal que eu ilustrei. Tudo que o Ary fazia era sucesso. Ele era uma soma do Tom Jobim com o Chico Buarque. As pessoas assoviavam suas músicas nas ruas. Uma música só é sucesso quando o povo assovia nas ruas.

Jaguar – Como é que o cara vai assoviar, hoje, uma música do Gabriel Pensador (risos)?

Otélo – Dorival Caymmi era meu vizinho. Hoje parece que ele não bebe, mas na época, ele enchia a cara. Aí eu pensei: todo cara que faz sucesso toma porre, e eu queria ser sucesso. Quem é que não quer? Então, acompanhava…

Ediel – Hoje, se um jovem for acompanhar seus ídolos vai ter que cheirar muito (risos).

Jaguar – Qual era a sua turma?

Otélo – (contando nos dedos) Era o Luiz Jatobá, Silveira Sampaio, Dorival Caymmi, Vinicius de Moraes, Ary Barroso, Sérgio Porto, Antônio Maria, Lúcio Rangel…

Jaguar – Quem era o “pole-position” da boemia?

Otélo – Era o Lúcio Rangel. Não só da boemia, era um cara muito culto. Eu aprendi muito com Lúcio Rangel.

Ediel – Foi por isso que você disse que quem nunca tomou um porre com Lúcio Rangel não pode ser considerado carioca?

Jaguar – (rindo) Felizmente, então, eu sou carioca. Tomei muito porre com o Lúcio Rangel.

Otélo – Ele esperava o Bofetada (bar carioca) abrir, sentado na calçada. No Zepellin (outro bar carioca), ao lado da cadeira do Lúcio, passava o encanamento do gás da cozinha, e tava vazando. Como ele era o primeiro a chegar nós já o encontrávamos de porre. Aí ele dizia: (imitando o Lúcio) “Mas é o meu primeiro uísque, porra!” O porre era de gás (risos).

Jaguar – Ele foi o primeiro a tomar uísque gaseificado (risos).

(continua na coluna de sexta-feira)

Ediel Ribeiro (RJ)

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Ediel Ribeiro é carioca. Jornalista, cartunista e escritor. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) do romance "Sonhos são Azuis". É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG). Autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty" publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ) e Editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!". O autor mora atualmente no Rio de Janeiro, entre um bar e outro.

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