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MAYRINK, UM MINEIRO BOM DE “CAUSOS” E TRAÇOS

Na imagem, da esquerda para a direita, Guidacci, Ediel e Mayrink (Foto: Divulgação

Tímido, como todo bom mineiro, Mayrink vinha evitando conversar com o jornal. Dessa vez, pegamos ele em Búzios e fizemos – eu e o jornalista Gustavo Medeiros – uma ótima entrevista com o cartunista. O papo, para os jornais  “O Folha de Minas” , “Hic!” e o blog “Tribuna HQ”, rolou no boteco Captain´s, do simpático Julinho, no final da Orla Bardot. (Ediel)

TERCEIRA PARTE

Mayrink – É isso! Quem é jornalista, quem é do ramo, sabe o quanto isso é importante. É diferente de ver o seu trabalho na tela de um computador. Ver o seu trabalho impresso, pegar, sentir o cheiro da tinta, guardar, colecionar, ver o papel amarelar é uma sensação incrível. Nada se compara ao jornal impresso.

Ediel – Voltando ao jornal que você editou; era uma publicação autoral ou você publicava outros artistas? E quem você publicou?

Mayrink – Ah, a galera toda! Guidacci, Ziraldo, Jaguar, Amorim, tinha um cara de Minas, o Lute, Biratan, lá do Pará. Não era só gente do Rio. Era a cambada toda que a gente conhecia. Esse jornalzinho circulava aqui na Região dos Lagos: Búzios, Cabo Frio, Saquarema…Mas não ganhei dinheiro, foram só três edições.

Ediel – Artista só ganha dinheiro depois que morre. Na semana passada (sábado, dia 8 de abril), uma ilustração original do personagem de histórias em quadrinhos Tintim foi vendida por 753 mil euros em Paris. O desenho de 21×15 cm foi tirado do livro “Tintim na América”, do cartunista belga Hergé, e tinha seu valor estimado entre 600 mil e 700 mil euros.

Mayrink – Eu vi essa matéria. O brasileiro não aprendeu ainda a consumir arte. Muitos nem consideram o cartum, a charge o quadrinho como uma forma de arte. No exterior eles compram, colecionam, penduram nas paredes como se fosse uma pintura. Valorizam a arte.

Ediel – Você teve uma charge censurada no “Correio da Manhã”?

Mayrink – No auge da Ditadura Militar, o Fortuna publicou uma charge minha no “Correio da Manhã” em que eu fazia uma crítica a Polícia Militar, que, naquela época, perseguiu, prendeu, torturou e executou centenas de brasileiros, muitos deles estudantes.

Ediel – Isso em 1964, quando ao tomar o poder e depor o presidente João Goulart a polícia metralhou, invadiu e incendiou a sede da UNE, na Praia do Flamengo, não foi?

Mayrink – Isso, 1968. Anos 60. A charge era um garoto, um estudante com um estilingue no bolso, cercado por polícias militares que gritavam: “Cuidado que ele é perigoso!”. Por causa dessa charge, o “Correio da Manhã” teve sua edição apreendida. Então, quando eu cheguei no jornal às 16h, me disseram: “Cuidado que estão atrás de você!” Com medo, eu fui pra São Paulo…

Gustavo – (o telefone do Gustavo toca, interrompendo mais uma vez a entrevista) O cartunista Mattias, quer dar um abraço em vocês!

Mayrink – Quem?!

Gustavo – O Mattias.

Mayrink – Ah! Ele mora por aqui, agora, né?

Ediel – (voltando à entrevista) Você tava falando do cartum como forma de arte, e da sua vinda pra São Paulo.

Mayrink – Eu cheguei em São Paulo, com uma mão na frente e outra atrás. (risos) Não tava arrumando nem pro café.(mais risos) Então tive a ideia de expor meus cartuns numa Feira Hippie, na Praça da República. Naquela época, os hippies estavam na moda no mundo todo. Ninguém nunca tinha feito nada parecido. Uma ideia de louco. (risos) Acordei 4 horas da manhã. Porque o espaço era de quem chegasse primeiro. Eu fiz um varal e pendurei meus cartuns. (risos) Passei o dia todo lá e não consegui vender uma porcaria de um cartum. (mais risos) Se você fizer uma coisa dessas em um país qualquer da Europa, com certeza você vai vender alguma coisa. Aqui no Brasil, não vende. O brasileiro não tem o costume de consumir arte.

Ediel – No Brasil, só quem consome sua arte são seus pares. As pessoas que vivem no seu mundo. Por isso o mercado é tão restrito. Eu tenho na minha casa desenhos meus e de outros artista emoldurados. Mas pouca gente tem isso.

Mayrink – Quando o “Correio da Manhâ” publicou aquela charge do estudante e eu tive que vir para São Paulo, sem dinheiro, eu fui procurar emprego na “Folha de São Paulo”. Mostrei meus trabalhos mas a Folha, naquela época, já tinha lá um chargista que eu nem me lembro o nome. Eu desci e parei num bar ao lado do jornal. Todo jornal tem um bar ao lado.(risos)

Gustavo – É de lei. Se não tiver, não presta.(risos) Eu era foca num jornal tradicional de Petrópolis e lá também tinha um bar ao lado do jornal. Jornalista (especialmente o pessoal da linotipia) só bebia leite pra minimizar o efeito diário do chumbo derretido.Fora isso, só cachaça. (risos)

Ediel – Mas chegou-se a conclusão que o leite, depois de calcificado, duplicava a ação da substância nos pulmões. Uniu-se então o útil ao agradável: o leite foi substituído por cachaça. (risos)

Gustavo – Tem uma piada de foca muito boa. O editor chama o foca e manda ele cobrir a estréia de um circo na cidade. Manda ele entrevistar o dono do circo, o domador, o trapezista… todo mundo. Ele chega lá, e o circo tá pegando fogo: gente morrendo, elefante pisando todo mundo, tigre, leão, tudo correndo pelo meio da rua. Uma tragédia. Então, ele volta pra redação, chegando lá, o editor pergunta pela matéria. Ele olha pro editor e diz: “Não deu pra fazer, quando eu cheguei lá o circo tava pegando fogo.” (risos)

Mayrink – Bom, e ali se reuniam os jornalistas que estavam chegando e os que estavam saindo do jornal. Eu pedi uma cerveja, mas um cara que tava bebendo sozinho no balcão falou assim: “Bebe aqui comigo!” Eu falei: “Tá, vamos beber juntos.” Ele disse que se chamava Tide e trabalhava na diagramação e ilustração.  Apertou minha mão e perguntou meu nome. Mayrink, eu disse. Ele falou: “Ah, você é o Mayrink? Você já publicou na “Visão”, não é?” Começamos a conversar, eu disse que tava procurando emprego aí ele disse: “Vamos alí que eu vou te arrumar um bico.” Ele fazia um free lance na “Gazeta Mercantil”, alí perto do Gasômetro. Então, pegamos um taxi, e ele me levou na Gazeta. Chegando lá ele me apresentou a um cara chamado Neto que era editor da Gazeta: “Esse aqui é o Mayrink, ele tá procurando trabalho não tem uma charge pra ele fazer aí, não?” O homem pegou um folha de papel, me mandou ler o texto que estava escrito e fazer uma charge. Eu não tinha nada pra desenhar. Peguei uma caneta hídrocor em cima da mesa dele e fiz a charge. O cara me pagou na hora. (risos) Do bolso dele.(mais risos) Saímos dali, e o Tide me levou pra tomar uma sopa de cebola. Coisa de paulista!(risos) No dia seguinte, ele ligou para um parente dele que trabalhava no “Diário Comercio & Industria” e me arranjou uma vaga de chargista. Esse cara virou um dos meus grandes amigos. Você vê como são as coisas! Fiquei no “Diário” quase um ano. Quando eu comecei ele me advertiram: “Aqui você só pode mexer com comércio, indústria e transporte.” A Ditadura Militar estava no auge lá também. E eu, teimoso, comecei a mexer com a igreja católica. Eu achava que a igreja era muito poderosa e não podia se omitir diante da luta contra o Regime Militar.

Ediel – Mas havíam padres, como o cardeal arcebispo de São Paulo Dom Paulo Evaristo Arns, que se destacaram na defesa dos Direitos Humanos…

Mayrink – Sim, mas eram poucos! A Igreja Católica tinha um poder absurdo! Absoluto! E eu achava que eles podiam fazer mais do que faziam. Então, por causa disso, eu tomei duas advertências. Na terceira, me mandaram embora. (risos)

FIM

N.E.: Essa entrevista é dedicada ao jornalista e nosso querido amigo,  Gustavo Medeiros, que faleceu alguns meses depois desse papo. Adeus, amigo!

Ediel Ribeiro (RJ)

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Ediel Ribeiro é carioca. Jornalista, cartunista e escritor. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) do romance "Sonhos são Azuis". É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG). Autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty" publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ) e Editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!". O autor mora atualmente no Rio de Janeiro, entre um bar e outro.

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