Alucard, mundialmente conhecida pela exploração de minério de ferro, está à beira da morte. E, sem analogia, é como se o vampiro morresse por falta de sangue. A população se vê colocada entre a cruz e espada, da noite para o dia, com o anúncio do fim da principal atividade econômica. A surpresa causou gigantesca explosão, milhões de decibéis acima da que ocorrera durante décadas de exploração do Pico Acauã, até seu desaparecimento total do mapa. Da altura de quase 1400 metros, hoje, tem uma cratera com profundidade de mais de 500 metros. O nome do pico deriva de ave da família dos falconídeos, com o canto considerado de mau-agouro e que prenuncia chuvas.
- E agora, Athaliba, o que será de Alucard? As pessoas estão em polvorosa, como “galinhas em pânico”. Será que Alucard irá bater o próprio recorde de mortes, cidade que ostenta triste título de Capital Nacional de Suicídio?
- Uai, Marineth, a morte de Alucard está no horizonte há mais de meio século. E o povo está doente, com os pulmões entupidos de resíduos de minério de ferro.
- Como assim, Athaliba?
- Deixa de ser ingênua. Desde o início da exploração do minério Alucard mamou nas tetas da empresa Yale. Ignorou o futuro. Alguns poucos, bem poucos, enriqueceram, surrupiando o dinheiro dos impostos. Alucard é terra arrasada. É péssima a qualidade de educação. A ineficiência sempre imperou por toda a área administrativa institucional da cidade, que mal cultua a lembrança de filhos ilustres da terra, como o poeta e jornalista Antônio Crispim. Ele abandonou a cidade ainda jovem, e a recordação de Alucard “é apenas uma fotografia na parede”.
Pois bem, Marineth, Alucard está em fase terminal de vida, toda corroída. São poucas as chances de sobrevivência. Tem pouco tempo para renascer da poluição dos resíduos de minério de ferro, definindo e estruturando novas atividades econômicas, nesse feroz sistema capitalista, onde sobreviver é uma grande aventura. Como o atraso é tão grande em Alucard, tem quem garante que a cidade se tornará um fantasma.
- Que trem doido, Athaliba. Isso é muito triste. Estou com o coração partido.
- É, Marineth. Vamos acompanhar, com carinho, o trabalho da tríplice comissão instituída para tirar Alucard do fundo do abismo do Pico do Acauã. Como disse o poeta Antônio Crispim: “A vontade de amar, que me paralisa o trabalho, vem de Alucard, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes”. É por lembrar ele, Marineth, veja o poema Obscuro Jardim, que o retrata:
Aplacam-se, saudoso poeta, tristezas e amarguras,
Sentidas na vida em Alucard, apinhada de agruras;
Iguais dolorosas mágoas impregnadas no teu peito,
Levando-o a cidade deixar, sendo o seu único jeito.
No Rio, o bom acolhimento atenuava desventuras,
Ao frescor da brisa do mar, banhando-se imaturas.
Por anos seguidos, aos poucos sentiu o nó desfeito,
Purificando-te a alma de traumas, o mal putrefeito.
Da essência das refugiadas recordações padecidas,
Provei o amargo gosto das tuas dores apodrecidas,
Mas, poeta, exorcizei presságios ao redor de mim.
Assim, como recluso deixaste as agonias e aflições,
Também me resguardei daquelas ocultas vibrações
Replantando a Flor de Alucard no obscuro jardim.
*Lenin Novaes, jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS.
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