Reajuste salarial de prefeito e secretariado em Itabira pode ser anulado por violação à Lei Fiscal
Aumento de 25,3% nos salários aprovado no último dia do ano é alvo de questionamentos legais e contrasta com decreto de cortes orçamentários para 2025
Itabira (MG) - O final de 2024 no município de Itabira (MG), na região central do estado, foi marcado por uma movimentação política controversa que pode gerar consequências jurídicas para o Executivo e o Legislativo. A Câmara Municipal aprovou, nos dias 17, 30 e 31 de dezembro, um reajuste de 25,3% no salário do prefeito Marco Antônio Lage (PSB), elevando o valor de R$26.609,60 para R$33.341,83. O vice-prefeito Pastor Marco Antônio Gomes (PRD) e os secretários municipais também foram contemplados com o aumento.
A decisão, no entanto, pode ser considerada ilegal com base na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). De acordo com o artigo 21 da LRF (Lei Complementar nº 101/2000), é vedado o aumento de despesas com pessoal nos 180 dias anteriores ao fim do mandato do titular de qualquer poder, ainda que os efeitos financeiros se projetem para o mandato seguinte. A medida tem por objetivo evitar a criação de despesas permanentes por gestores em final de mandato, comprometendo os orçamentos futuros.
Veto simbólico e manobra legislativa
O trâmite legislativo do aumento em Itabira seguiu uma prática recorrente em outras cidades, que já foi considerada inválida por tribunais de Justiça. No caso itabirano, os vereadores se reuniram no dia 17 de dezembro para votar o projeto de lei que tratava dos aumentos. Após a aprovação, o prefeito vetou parcialmente os Projetos de Lei nº 95/2024 e nº 96/2024 — que tratavam dos subsídios do Executivo e do secretariado. No entanto, os vereadores derrubaram os vetos em sessões extraordinárias realizadas nos dias 30 e 31 de dezembro, e o presidente da Câmara, Heraldo Noronha Rodrigues (Republicanos), sancionou e publicou as Leis nº 5.588 e 5.589/2024 no último dia do ano, que passaram a valer em 1º de janeiro de 2025.
Especialistas apontam que esse tipo de “manobra”— onde o prefeito veta para demonstrar isenção, mas conta com a derrubada do veto pelos aliados — não exime o Executivo da responsabilidade legal. A jurisprudência é clara: a origem ou o rito de votação não anula a ilegalidade se os prazos legais forem desrespeitados.

Casos semelhantes em outros municípios
Diversos precedentes judiciais reforçam a ilegalidade de reajustes aprovados fora do prazo legal. Em Manaus (AM), a Justiça estadual suspendeu o reajuste dos salários do prefeito, vice e secretários, com base na violação da LRF, no caso da Lei Municipal nº 587/2024. O mesmo ocorreu em Cáceres (MT), onde o aumento de 42% nos salários do Executivo e Legislativo municipal foi anulado judicialmente por ter sido aprovado dentro do período de restrição fiscal.
Também na cidade de Ponta Grossa (PR), em decisão liminar de 2025, a Justiça suspendeu os efeitos da Lei Municipal nº 15.385/2024, que havia aumentado os salários da prefeita Elizabeth Schmidt, do vice-prefeito e dos secretários. A ação popular foi movida pelos professores Sérgio Luiz Gadini, Marcelo Engekl Bronosky e Carlos Ricardo Grokorriski. Segundo a petição, assinada pelo advogado Alisson Alves Pepe, o reajuste foi sancionado em 16 de dezembro de 2024, faltando apenas 15 dias para o fim do mandato, e sem qualquer estudo técnico sobre o impacto orçamentário — o que caracteriza violação à LRF.
Nos casos, a ausência de parecer da Comissão de Orçamento e Finanças, a inexistência de estudo de impacto financeiro e principalmente o descumprimento do prazo de 180 dias foram considerados suficientes para declarar a nulidade dos atos legislativos.
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é consolidado:
“A jurisprudência é firme ao afirmar que a LRF proíbe a expedição de atos que aumentem despesas com pessoal nos 180 dias anteriores ao fim do mandato, mesmo que os efeitos ocorram na próxima gestão.”
Decreto de contenção contradiz aumento
Em paralelo à concessão dos aumentos, a Prefeitura de Itabira publicou, em maio de 2025, um decreto de “otimização orçamentária” alegando risco de queda na arrecadação municipal. O documento determina uma série de medidas de contenção de gastos, incluindo:
- Redução da frota de veículos;
- Corte no cartão-alimentação de servidores comissionados;
- Suspensão de novas obras com recursos próprios;
- Proibição de aquisição de imóveis e equipamentos (exceto para saúde e educação);
- Corte de horas extras (exceto serviços essenciais);
- Proibição de novas contratações, salvo casos urgentes;
- Suspensão de viagens e capacitações;
- Redução de 30% em gastos com consumo e serviços gerais.
Apesar das medidas de austeridade, o decreto não menciona os reajustes salariais do alto escalão da Prefeitura, o que levanta críticas sobre a coerência da gestão municipal.
Fiscalização e denúncia popular
Juristas ouvidos por veículos como o Conjur e a Agência Câmara reforçam que qualquer cidadão pode acionar os órgãos de controle, como o Ministério Público e o Tribunal de Contas, inclusive de forma anônima. As denúncias podem ser feitas online, sem necessidade de formalismo jurídico, bastando relatar os fatos.
Se a Justiça acolher a tese da ilegalidade, o aumento poderá ser anulado, os salários revertidos aos valores anteriores e os responsáveis poderão responder por improbidade administrativa, nos termos da Lei nº 8.429/1992, além de sanções eleitorais, caso seja comprovado o uso político do reajuste.
Canais de denúncia:
Ministério Público de Minas Gerais (MPMG)
→ https://www.mpmg.mp.br
Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG)
→ https://www.tce.mg.gov.br/ouvidoria
Comentários