E agora, que a luz apagou, a festa acabou, para onde vamos partir? A luz da ciência se obscureceu, em seu lugar apareceu a pseudociência, a superstição e a espiritualidade, como os sucedâneos do progresso fake. A festa da democracia se aproxima do crepúsculo e o mundo partiu para onde?
E agora José, que tem que escolher um lado, quando existem tantos lados nesse polígono imenso da humanidade, cheios de nuances, cheios de desvios? O bem e o mal assistem de lado, sem saber onde está o lado que deveriam estar.
E agora José, que o mundo se dividiu e ninguém mais sabe ou não se interessa em saber onde está a mentira e onde se esconde a verdade? Cada um tira da sua cartola a mentira e a verdade que interessam a cada um.
E agora José, que temos que escolher entre o calar e falar, em se acovardar ou morrer, em esconder o que sentimos por medo de que o que sentimos não tenha efeito nenhum? Se nem mesmo o divino é respeitado e um lado o quer distante, cuidando de César, e o outro o quer próximo, como se pudesse ser o esconderijo de mentiras.
E agora José, que ninguém mais encontra o interruptor da luz para encontrar uma saída do salão inundado de escuridão, onde só vozes dissonantes compõe um coro de discordantes, argumentando com coisas estúpidas o que deveria ser sério?
E agora José, que a dança e o baile não continuou, os músicos não ficaram para assistir o naufrágio, abandonaram seus instrumentos e caíram na mesma desgraça, roupas rasgadas de fim de festa? E ninguém festeja mais, ou por outra, festejam o final da festa porque na escuridão todos são iguais.
E agora José, que sem nau, sem rumo, vamos singrar a escuridão sem ter a menor noção aonde vamos parar? E se vamos parar em algum lugar, que não seja distante, mas o inferno está tão perto, por que perder tempo navegando e fingindo que o mar é de almirante?
E agora José, que deixamos o mal livre, porque na democracia todos são iguais perante a lei, chutada como balde furado para um canto, e o divino…? Ah! O divino assiste a tudo e pergunta para todos, e agora Josés?
*Carlos Drummond de Andrade
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