Barroso vota por descriminalizar aborto até a 12ª semana e encerra trajetória no STF
Ministro defendeu que interrupção da gravidez seja tratada como questão de saúde pública e não penal; decisão marca seu último voto antes da aposentadoria

Brasília – O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta sexta-feira (17) a favor da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. O julgamento ocorre no âmbito de uma ação protocolada em 2017 pelo PSOL, que pede que a interrupção da gravidez nesse período deixe de ser considerada crime.
Com o voto de Barroso, o placar está em 2 a 0 pela descriminalização, somando-se ao voto da ex-ministra Rosa Weber, que já havia se manifestado favoravelmente em setembro de 2023.
O ministro encerrou sua trajetória no Supremo com essa decisão, uma das mais simbólicas de sua carreira. Ele deixa a Corte neste sábado (18), após anunciar aposentadoria antecipada.
“A discussão real não está em ser contra ou a favor do aborto. É definir se a mulher que passa por esse infortúnio deve ser presa. Vale dizer: se o Estado deve ter o poder de mandar a polícia, o Ministério Público ou o juiz obrigar uma mulher a ter o filho que ela não quer ou não pode ter”, afirmou Barroso em seu voto.
Questão de saúde pública
De acordo com a legislação brasileira, o aborto é crime, salvo em casos de estupro, risco à vida da gestante ou fetos anencéfalos.
Para Barroso, a interrupção da gravidez deve ser tratada como questão de saúde pública, e não como tema do direito penal.
“A criminalização penaliza, sobretudo, as meninas e mulheres pobres, que não podem recorrer ao sistema público de saúde para obter informações, medicação ou procedimentos adequados. As pessoas com melhores condições financeiras podem atravessar a fronteira com o Uruguai, Colômbia, ir para a Europa ou valer-se de outros meios aos quais as classes média e alta têm acesso”, disse o ministro.
Ele ressaltou que não é favorável ao aborto, mas que o papel do Estado deve ser o de prevenção e acolhimento, e não de punição.
“O papel do Estado e da sociedade é o de evitar que ele aconteça, dando educação sexual, distribuindo contraceptivos e amparando a mulher que deseje ter o filho e esteja em circunstâncias adversas”, afirmou.
Respeito às tradições religiosas
Barroso também destacou a importância de respeitar as tradições religiosas que condenam o aborto, mas ponderou que o sistema penal não deve punir mulheres que enfrentam essa situação.
“A tradição judaico-cristã condena o aborto. Deve-se ter profundo respeito pelo sentimento religioso das pessoas. Mas será que a regra de ouro, subjacente a ambas as tradições — tratar o próximo como desejaria ser tratado —, é mais bem cumprida atirando ao cárcere a mulher que passe por esse drama?”, questionou.
Decisão paralela sobre profissionais de saúde
Também nesta sexta-feira (17), Barroso decidiu que enfermeiros e técnicos em enfermagem podem auxiliar na realização de abortos previstos em lei, como nos casos de estupro, risco à vida da gestante e fetos anencéfalos.
O ministro determinou ainda que esses profissionais não podem ser punidos por atuarem em procedimentos de aborto legal.

Segundo ele, o Código Penal de 1940 não previa o avanço tecnológico atual, que permite a realização segura do aborto medicamentoso em etapas iniciais da gestação.
“Não se pode permitir que o anacronismo da legislação penal impeça o resguardo de direitos fundamentais consagrados pela Constituição”, afirmou.
Com a decisão, ficam suspensos processos penais e administrativos contra enfermeiros e vedada a criação de obstáculos para a realização do aborto legal em hospitais públicos.
A decisão já está em vigor, mas ainda precisará ser referendada pelo plenário do STF.
Suspensão do julgamento
O julgamento sobre a descriminalização do aborto foi interrompido horas depois do voto de Barroso, por um pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes.
Com isso, a análise do caso será retomada em sessão presencial, em data ainda não definida.
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