Coluna

GENTILEZA GERA GENTILEZA

"Apagaram tudo / Pintaram tudo de cinza / Só ficou no muro / Tristeza e tinta fresca". (Marisa Monte)

Rio de Janeiro - Fiz uma visita ao Terminal Intermodal Gentileza, na Região Portuária do Rio, inaugurado nesta sexta-feira (23/2).

Ficou lindo!

A iniciativa da Prefeitura do Rio de Janeiro - batizando  a estação de integração entre o BRT Transbrasil, VLT e linhas de ônibus municipais regulares de “Gentileza” - é louvável e digna de aplausos.

O local para homenagear o Profeta Gentileza não poderia ter sido melhor escolhido. A Zona Portuária do Rio era a ‘casa’ de Gentileza. Esbarrei várias vezes com o profeta, nas proximidades da Rodoviária Novo Rio, onde ele, com sua túnica branca e barbas longas, recitava seus versos e escrevia seus mantras nas pilastras do viaduto.

Aos que o chamavam de louco, ele respondia:  "Sou maluco para te amar e louco para te salvar". Não pedia nada a ninguém. Antes, oferecia, em gesto de gentileza, flores e rosas para as pessoas que cruzavam seu caminho nas ruas do Rio de Janeiro.

Divulgação - 

Com as obras do Terminal, a arte de Gentileza foi restaurada e preservada, incluindo "Gentileza gera gentileza", sua frase mais conhecida.

José Datrino, mais conhecido como Profeta Gentileza, foi um pregador urbano nascido em Cafelândia, São Paulo, em 11 de abril de 1917. Filho de imigrantes italianos, nascido em uma família de 11 irmãos, José teve uma infância difícil. Cuidava da terra, puxava carroça, vendia lenha e cuidava dos animais, para ajudar a família. 

Desde a infância, José Datrino tinha um comportamento atípico. Por volta dos treze anos de idade, passou a ter premonições sobre sua missão na terra, na qual acreditava que um dia abandonaria tudo em prol de sua missão. Este comportamento causou preocupação em seus pais, que chegaram a suspeitar que o filho sofria de algum tipo de loucura.

Ainda muito jovem se mudou para o Rio de Janeiro, indo morar no bairro de Guadalupe, na Rua Manoel Barata, 441. No dia 17 de dezembro de 1961, ocorreu a Tragédia do Gran Circus Norte-Americano, na cidade de Niterói, no Rio de Janeiro, considerada uma das maiores fatalidades em todo o mundo circense. Neste incêndio morreram mais de 500 pessoas, a maioria, crianças. 

Seis dias após o acontecimento, José acordou alegando ter ouvido "vozes astrais", segundo suas próprias palavras, que o mandavam abandonar o mundo material e se dedicar apenas ao mundo espiritual. 

Daltrino, que era dono de uma empresa de transportes,  pegou um de seus caminhões e foi para o local do incêndio. Plantou jardim e horta sobre as cinzas do circo, local que um dia foi palco de tantas alegrias, mas também de muita tristeza. Aquela foi sua morada por quatro anos. 

Lá, Datrino incutiu nas pessoas o real sentido das palavras Agradecido e Gentileza. Foi um consolador voluntário, que confortou os familiares das vítimas da tragédia com suas palavras de bondade. Daquele dia em diante, as pessoas passaram a chamá-lo de "José Agradecido", ou "Profeta Gentileza".

Após deixar o local que foi denominado "Paraíso Gentileza", o profeta começou a sua jornada como personagem andarilho. Na década seguinte, Gentileza passou a percorrer as ruas da capital fluminense para levar sua palavra de amor, bondade e respeito ao próximo. 

A partir de 1970, percorreu toda a cidade. Era visto em ruas, praças, nas barcas da travessia Rio-Niterói, em trens e ônibus, fazendo sua pregação e levando palavras de amor, bondade e respeito pelo próximo e pela natureza a todos que cruzassem seu caminho. 

O Profeta Gentileza também morou na cidade de Conselheiro Lafaiete, em Minas Gerais, onde fazia pregações. Na cidade do interior de Minas Gerais, há um amplo trabalho feito pela ONG AMAR que dá continuidade ao trabalho do Profeta Gentileza. 

Gentileza voltou ao Rio, nos anos de 1980, para dar início ao seu legado: em 56 pilastras do viaduto da Av. Brasil, entre o Cemitério do Caju e o Terminal Rodoviário do Rio de Janeiro, Gentileza preencheu muros com seus escritos. Para uns textos proféticos, para outros, poesia, as mensagens em tons de azul, verde e amarelo nunca passaram despercebidas. Foram cantadas por músicos como Gonzaguinha e Marisa Monte, citadas em filmes, novelas e trabalhos acadêmicos.

Os murais foram danificados por pichadores, sofreram vandalismo, e mais tarde cobertos com tinta de cor cinza pela prefeitura da cidade do Rio de Janeiro. Os murais começaram a ser recuperados em janeiro de 1999. Em maio de 2000, a restauração das inscrições foi concluída e o patrimônio urbano carioca foi preservado.

Gentileza foi homenageado na música pelo compositor Gonzaguinha, nos anos 1980; e também pela cantora Marisa Monte, nos anos 1990. As duas canções levam o nome Gentileza.

No ano de 2000, na cidade de Mirandópolis (SP), onde o profeta está enterrado, foi criada a primeira ONG da cidade: Gentileza Gera Gentileza, fundada por parentes e amigos que admiravam a filosofia de vida do Profeta. A ONG, além de lembrar a pessoa de José Datrino (Profeta Gentileza), em sua criação, tem a missão de difundir educação e cultura em toda a região. 

No final do ano 2000 foi publicado pela EdUFF (Editora da Universidade Federal Fluminense) o livro Brasil: Tempo de Gentileza, de autoria do professor Leonardo Guelman. A obra introduz o leitor no "universo" do profeta Gentileza através de sua trajetória, da estilização de seus objetos, de sua caligrafia singular e de todos os 56 painéis criados por ele, além de trazer fatos relacionados ao projeto Rio com Gentileza e descrever as etapas do processo de restauração dos escritos. 

Em 2001, Gentileza foi homenageado pela Escola de Samba G.R.E.S. Acadêmicos do Grande Rio. O carnaval, criado pelo carnavalesco Joãosinho Trinta trazia no enredo a mensagem do Profeta:  “Gentileza gera gentileza, amor”, é considerado até hoje um dos melhores da escola.

Em 2009, o profeta foi interpretado em participação especial pelo ator Paulo José, na novela Caminho das Índias, exibida pela Rede Globo de janeiro a setembro de 2009.

Pai de cinco filhos, Gentileza faleceu no dia 28 de maio de 1996, aos 79 anos, em Mirandópolis, São Paulo, cidade de seus familiares, onde foi sepultado. 
 

Ediel Ribeiro (RJ)

709 Posts

Coluna do Ediel

Ediel Ribeiro é carioca. Jornalista, cartunista e escritor. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) do romance "Sonhos são Azuis". É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG). Autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty" publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ) e Editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!". O autor mora atualmente no Rio de Janeiro, entre um bar e outro.

Comentários