Coluna

Munduruku em ‘oca’ de letras

- Marineth, ocê embarcou numa canoa furada ao dizer que “o Ailton Krenak é 1º indígena a assumir uma cadeira em academias de letras no Brasil”. Tá lembrada disso? Foi na crônica ABL terá índio imortal?, que abordou a probabilidade dele ser eleito para a Academia Brasileira de Letras. É verdade que o Krenak é 1º indígena a assumir cadeira na Academia de Letras de Minas Gerais, sim. Porém, outro índio já integrava academia regional de letras no país, antes de Krenak.

- Como assim, Athaliba? Insinuas que dei “barrigada”, divulgando notícia equivocada?

- Marineth, não se puna. Sua barrigada foi involuntária. Não grave como outras históricas no jornalismo. Lembra aquela do programa Domingo Legal, no SBT, que forjou entrevista com “atores” que diziam integrar a facção criminosa PCC - Primeiro Comando da Capital? Dias depois, setembro de 2003, um dos chefes da organização criminosa, com QG - Quartel General em São Paulo -, disse que a entrevista era uma farsa. Irônico é que a polícia comprovou ser falsa!

- Athaliba, como soube da minha “barrigada” e quem é o indígena que precede o Krenak?

- Ora, Marineth, ocê tá no mundo da lua? O tal indígena, atualmente, tá na telinha da TV. É o intérprete do Pajé Jurecê, na novela Terra e paixão. Trata-se de Daniel Munduruku Monteiro Costa, nascido 28/2 de 1964, no Pará. Ele é pai de Iraê Gató, papel da atriz indígena Suyane Moreira; avô de Yandara, personagem da atriz e modelo indígena Rafaela Cocal. No elenco tem ainda o indígena Mapu Huni Kui, músico e compositor, no papel de Raoni Gató, filho de Jurecê.

- Isso é admirável, Athaliba! Qual a academia de letras que o Daniel Munduruku integra?

- Primeiro, Marineth, é preciso revelar que fiquei sabendo da “barrigada” por mensagem recebida no correio eletrônico. Um professor e pesquisador universitário - não divulgo o nome por não ter autorização -, que é leitor das crônicas, fez a observação. Aproveito para agradecer a ele daqui das entranhas d’O Folha de Minas. Também aos demais integrantes de comunidades das universidades do Brasil que têm acolhido as Crônicas do Athaliba. Aos leitores (as), em geral!

Munduruku integra a Academia de Letras de Lorena. Tem dezenas de livros publicados. Disputou eleição na ABL, em 2021. Foto: Luciano Avanço

- Athaliba, soube que ocê tem no mailing mais de 6.000 (seis mil) contatos de e-mails, que é formado, em larga maioria, por profissionais do setor de educação de todas as partes do país. E de personagens da política, nas esferas federal, estaduais e municipais. É sua válvula de escape na peleja contra o vício nocivo dos vídeos de babaquices e às frases de efeito que não diz “coisa com coisa”, no mundo da internet? O caldeirão (loucura!!!) do lixo cultural tá transbordando.

- Marineth, vamos discutir essa questão depois. O que importa é conhecer a trajetória do indígena Daniel Munduruku. Sabia que ele foi candidato à Academia Brasileira de Letras - ABL -, em 2021, disputando vaga com o médico Paulo Niemeyer e o crítico Joaquim Branco? Recebeu o apoio do Ailton Krenak, num manifesto assinado por cerca de 100 escritores. Portanto, creio que agora, o Krenak tem o apoio incondicional do Munduruku à vaga na Casa de Machado de Assis.

- Athaliba, valeu cometer a “barrigada”, pois isso me proporcionou conhecer o Munduruku.

- Bem, Marineth, aprendemos nos erros. Às vezes, na porrada. É quando a vida nos ensina no processo de proscrição da teimosia, pirraça, ignorância. O Daniel Monteiro Costa - ele incluiu Munduruku no nome, designação da etnia indígena - integra a Academia de Letras de Lorena, no interior de São Paulo, onde vive. O município tem perto de 85 mil pessoas. Na composição étnica, 0,05% de indígenas; 69,90% brancos; 29,90% pardos; 6,85% negros e 0,90% amarelos.

- Athaliba, arrola, por favor, alguns dos livros do Daniel Munduruku.

- Marineth, justificando a candidatura à ABL, iniciativa de amigos, ele disse que “pela obra que já tenho, e pelo fato de que sou indígena, considero uma iniciativa importante; pois escrevo para crianças e jovens, exatamente para tentar diminuir essa visão estereotipada que se tem dos indígenas”. Entre os títulos das publicações dele tem A palavra do grande chefe, Coisas de índio, Contos indígenas brasileiros, Vozes ancestrais, Histórias de índio e Um dia na aldeia.

- Que outros aspectos ocê destaca, Athaliba, da trajetória do indígena Daniel Munduruku?

- Marineth, ele é um cidadão organizado. Tem militância política. Transferiu-se do PC do B - Partido Comunista do Brasil - para o PDT - Partido Democrático Trabalhista. Legenda à qual elegeu Mário Juruna, 1º indígena deputado federal, pelo Rio de Janeiro, em 1982. E Daniel foi candidato pela tal sigla a deputado federal, por São Paulo, em 2022. Ele produz vídeos, com divulgação no YouTube. Afirma que “a utilização das tecnologias pelos indígenas não prejudica a herança cultural, servindo como ferramentas atualizadoras da memória”. O cara é antenado!!!

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

Comentários


  • 02-09-2023 10:29:33 Jose Ribamar

    Excelente cronica