Desde “Vinte contos e uns trocados", o escritor e consagrado compositor e intérprete Nei Lopes vem marcando sua literatura com uma dicção essencialmente carioca. Assim, no romance “Mandingas da mulata velha na cidade nova”, recriou o ambiente da Tia Ciata. Em seguida, com “Oiobomé, a epopéia de uma nação”, ele viajou, do século 17 até a atualidade, narrando a saga mirabolante de uma civilização amazônica fundada por um escravo de uma fazenda no Irajá. Depois, em “Esta árvore dourada que supomos”, uniu ancestralidade, hereditariedade e crime no ambiente das escolas de samba.
Com “A lua triste descamba”, viajando no eixo Estácio-Osvaldo Cruz, o escritor que é salgueirense abordou o surgimento das primeiras agremiações. Já em “Rio Negro, 50”, o enredo foi o protagonismo cultural dos afro-cariocas nos “anos dourados”. Até que em “Nas águas desta baía há muito tempo” o contista elegeu como protagonista a Guanabara. Para, finalmente, em “O preto que falava iídiche”, revelar, como romancista, a diversidade cultural da velha Praça Onze, palco do samba e da também forte presença judaica.
Neste momento, com “Agora serve o coração”, o carioca Nei Lopes debruçando-se sobre a história e o cotidiano de algumas regiões da periferia da cidade do Rio de Janeiro, traça um painel ficcional, ao mesmo tempo trágico e divertido da fantástica mistura de criminalidade, politicagem e intolerância religiosa ali presentes, segundo os jornais. Verdades ou mentiras?
Sinopse
Marangatu, localidade na Baixada Fluminense, era a capital do boato. Lá, qualquer notícia sem fundamento se espalhava e fazia vítimas. Inclusive a existência de um vulcão, na serra que dominava a paisagem local. A população vivia em sobressalto ante a possibilidade de o vulcão, extinto havia milhões de anos, entrar novamente em erupção. E de que os índios Marangatueras, também extintos -- mas cuja presença era notada por pessoas mais sensíveis, como Seu Aleixo Carpinteiro, um velho mitômano --, viessem retomar seu território, com a ajuda de quilombolas dos velhos tempos.
Região em que as escolas de samba, os candomblés, a igreja católica, não passavam de fantasias, Marangatu, de verdadeiro mesmo só tinha o narcotráfico, as milícias e as centenas de igrejas pentecostais. E essas forças teriam sido unificadas, segundo voz corrente, sob o poder da Iaiá de Marangatu, uma mulher importante, majestosa e invejada, como uma Xica da Silva contemporânea. Sobre ela criou-se o mito de que matava seus desafetos, extraía os corações e os congelava no Instituto de Biologia da universidade local. E essa lenda chegou até o monumental churrasco um dia por ela promovido, e que ficou conhecido como a Festa dos Corações Ardentes.
Mas era tudo uma grande mentira. Como tudo suposta e alegadamente ocorrido no lugar, desde os tempos coloniais até o século XXI, passando pelos “Anos de Chumbo” da ditadura militar. Aliás, como a própria região, seus povoados e municípios; que nunca existiram.
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