“Já lhe dei meu corpo, minha alegria
Já estanquei meu sangue, quando fervia
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta
Pro desfecho da festa”
- Athaliba, a cantora Beth Carvalho, no disco Pandeiro e viola, lançado em 1975, há meio século, gravou a música “Gota d’água”, de Chico Buarque de Holanda. Tornou-se um clássico no universo da MPB - Música Popular Brasileira -, em plena ditadura militar (1964-1985), decorrente do golpe civil-militar, financiado por empresários. A biografia Beth Carvalho - Uma vida pelo samba traz o apelo da artista pelo engajamento dos sambistas na vida política brasileira.
- É verdade, Marineth. O biógrafo Rodrigo Faour, jornalista e produtor - escolhido por ela para escrever o livro -, registrou o encontro da artista com a cantora Teresa Cristina, no qual fez o seguinte apelo: “Eu tô indo, mas vocês tão aí. Têm que trazer os sambistas para a política. A gente tem que falar de política e tocar o dedo na ferida. O sambista não pode ser omisso”. Ainda é válido, portanto, o apelo, pois, com raras exceções, a larga maioria dos sambistas é alienada.
- Athaliba, não convém deixar “Gota d’água” pela metade. A música finaliza com “Por favor/Deixe em paz meu coração/Que ele é um porte até aqui de mágoa/E qualquer desatenção, faça não/Pode ser a gota d’água”. No repertório tem “Eu só queria ser feliz”, “O pior é saber”, “Pandeiro e viola”, “Amor sem esperança”, “Onde está a honestidade”, “Enamorada do sambão”, “O dia de amanhã”, “Amor fiel”, “De novo, desamor”, “Sente o peso do couro” e “Cansaço”.
- Marineth, a Beth Carvalho teve militância política, engajada no PDT - Partido Democrático Trabalhista -, do qual foi nomeada presidente de hora. Era admiradora de Leonel Brizola, que foi governador do Rio Grande do Sul e também do Rio de Janeiro. E o apelo dela à participação dos sambistas na política se justifica devido ao atraso que impera nos núcleos de samba, o que deixa à marginalidade profissional e financeira os reais produtores da maior manifestação popular.
- Compreendo, Athaliba, o destaque que ocê dá à trajetória artística da cantora. Não à-toa é considerada madrinha do samba por renomados artistas como Zeca Pagodinho, Jorge Aragão e Martinho da Vila, entre outros. Além da luta em defesa dos direitos autorais, também se destacou pela valorização da negritude e na revelação de talentosos compositores, adentrando nos núcleos de sambas no Rio de Janeiro, como em São Paulo.
- Marineth, a cantora atuou no movimento Diretas Já que exigia o retorno das eleições para presidente do Brasil, no período 1983-1984, mobilizando milhões de pessoas em comícios em todo o país. Também entre os artistas estiveram Chico Buarque, Milton Nascimento, Paulinho da Viola, Maria Bethânia, Erasmo Carlos, Fafá de Belém e Simone. A campanha enfraqueceu a ditadura. Tivemos, a seguir, eleição indireta de Tancredo Neves e à promulgação da Constituição.
- Athaliba, “Andança”, de Edmundo Souto, Danilo Caymmi e Paulinho Tapajós, que ela classificou em terceiro lugar no 3º Festival Internacional da Canção, em 1968, tornou-se música indispensável nos shows. Outro sucesso é “Coisinha do pai”, de autoria de Jorge Aragão, Almir Guineto e Luiz Carlos. O samba, em 1997, “acordou” o robô Sojourner da missão Mars Pathfinder em Marte, planejado pela engenheira brasileira da NASA, Jacqueline Lyra.
- Marineth, a cantora fez várias apresentações no exterior. Cantou no Carnegie Hall, em Nova York; por duas vezes se apresentou no Festival de Montreux, na Suíça. Sua carreira artística faz parte do currículo da Faculdade de Música de Kioto, no Japão. Conquistou 16 discos de ouro, nove de platina e recebeu seis Prêmios Sharp. Ganhou o Troféu Eletrobrás de MPB, em 2002. O DVD Beth Carvalho, a madrinha do samba, lhe deu DVD de platina, em 2004.
- Athaliba, a Elizabeth Santos Leal de Carvalho nasceu e faleceu no Rio de Janeiro, nas datas 5/5/1946 e 30/4/2019. Cantou na Rádio Mayrink Veiga, quando criança; estudou na Escola Nacional de Música e chegou a cursar Relações Internacionais, abandonado o curso para dedicar à carreira artística.
- Marineth, desejo que os milhares de leitores se deleitem no universo musical da Beth e que os sambistas atendam o apelo dela em se engajar na política. Dedico a crônica a Nei Lopes.
Comentários