Coluna

Bituca: tema da Portela

- Athaliba, o Bituca, Milton Nascimento, será homenageado pela Portela, com o enredo Cantar será buscar o caminho que vai dar no sol, no Carnaval de 2025. Quero crer que, a julgar o gigantesco título do tema, os carnavalescos Antônio Gonzaga e André Rodrigues não se percam na contextualização da vida e obra do admirável, consagrado e respeitado artista popular.

- Marineth, o título do tema da agremiação azul e branco é reuso do verso “cantar era buscar o caminho que vai dar no sol”, da música Nos bailes da vida, parceria do Bituca com Fernando Brant. Houve a troca do era (substantivo feminino) por será (substantivo deverbal). Que revela falta de criatividade. Foi “apenasmente” isso, como diria Odorico Paraguaçu, personagem cômico e controverso do ator Paulo Gracindo, sucesso na série televisiva de O bem amado.

Bituca entre os carnavalescos André Rodrigues e Antônio Gonzaga. Foto: arquivo pessoal - 

- Athaliba, não me desviando do assunto central, que é o enredo da Portela, te acompanho na lembrança do personagem criado por Alfredo de Freitas Dias Gomes. Inolvidável Dias Gomes, romancista, dramaturgo e autor de novelas, que foi integrante da Academia Brasileira de Letras -ABL. O Odorico, prefeito de Sucupira, era obsessivo por desvirginar o cemitério da cidade, que fora o principal ponto do programa dele à campanha eleitoral. Mas, ninguém morria na cidade.

- Pois é, Marineth! Bem a propósito, no contexto de eleições para prefeitos e vereadores de 5.569 municípios, vale recordar algumas das frases do Odorico. Exemplo: “Esta obra entrará para os anais e menstruais de Sucupira e do país”; “É com a alma lavada e enxaguada que lhe recebo nesta humilde cidade”. E “Isto deve ser obra da esquerda comunista, marronzista e badernenta”, ao estilo de baba-ovos do mito pés de barro, que desgovernou o país de 1º/1/2019 a 31/12/2022.

- Athaliba, para completar a lembrança do Dias Gomes, é preciso dizer que ele sucedeu Adonias Filho, na ABL, e foi recebido pelo também acadêmico Jorge Amado, em 16/7 de 1991. O personagem Odorico administrava Sucupira com truculência. Não tinha escrúpulos de ordem moral. Era um canalha, corrupto; paparicado pelas Cajazeiras, três irmãs: Doroteia (ida Gomes), Dulcineia (Dorinha Duval) e Judiceia (Dirce Migliaccio). Elas ficavam encharcadas junto dele.

- Bem, Marineth, a dupla de carnavalescos da escola tem pela frente enorme desafio em contextualizar a trajetória artística do Bituca. Possuidor de voz extraordinária (alcunhada a voz de Deus) é considerado ícone da música popular brasileira. E, com seus parceiros, incursionou por uma linha musical fundamentada em estilo poético e harmônico ainda longínquo do entendimento universal. A obra musical dele ainda é objeto de profundo estudo e análise, por especialistas..

- Quanto a isso, Athaliba, ocê tem razão. Mas, quanto à retratação da vida e obra em termo de desfile, Antônio e André podem desenvolver trabalho que sintonize o público no sambódromo e os telespectadores com o artista. Terão que ter habilidade para destrinchar roteiro classificatório da musicalidade, com leveza, e, assim, evoluir na arte visual de fantasias, alegorias e adereços. E, acima de tudo, o samba terá que ter o viés incontestável de qualidade musical do Bituca.

- Marineth, o Bituca - apelido do Milton Silva Campos do Nascimento - é carioca, nascido em 26/10/1942. Tornou-se mineiro de coração, criado em Três Pontas. A música “Travessia”, com parceria do Fernando Brant, classificada em 2º lugar no Festival Internacional da Canção, em 1967, o projetou nacionalmente. A música é considerada “ode à capacidade humana de enfrentar adversidades, de se reinventar e de buscar novos amores e experiências, mesmo após passar por momentos de extrema vulnerabilidade”.

- Isso mesmo, Athaliba. O título “Travessia” é inspirado na obra Grande sertão: veredas, do escritor mineiro João Guimarães Rosa. O sentimento de perda e solidão tá caracterizado em “Quando você foi embora/Fez-se noite em meu viver”. A profundidade da dor é realçada no verso “Vou fechar o meu pranto/Vou querer me matar”. Mas, vida que segue, com resiliência, desiste da morte: “Eu não quero mais a morte/Tenho muito que o viver”. É épico ao asseverar que “já não sonho, hoje faço/Com meu braço o meu viver”.

- Marineth, em alguns núcleos de samba rola polêmica se a escolha de homenagear Milton Nascimento é conveniente ou não. Especula-se que o artista teria ligação com a Mangueira. Para alguns portelenses, a agremiação devia homenagear baluartes como Monarco, Paulinho da Viola, Candeia. O que ocê acha desse trem trafegando em linha torta, na tangente?

- Sabe Athaliba, todo respeito à divergência. Mas, o Bituca tá acima de qualquer picuinha. Quer saber, vou me juntar à patota mineira e viajar no trem azul. Te vejo no sambódromo. Até lá!

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

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