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O BOFETADA, UM ÍCONE ETÍLICO DE IPANEMA

Rio de Janeiro - Quando eu era criança, a revista ‘O Cruzeiro’ tinha uma página escrita e desenhada pelo  Millôr Fernandes. Eu gostava, principalmente, das frases. 

Mas a frase do ‘Guru do Méier’ que eu mais gosto, não li na ‘Manchete’, ouvi, tempos depois, no ‘Bofetada’ - bar que era um ícone etílico de Ipanema nos anos 80 - dita por um bêbado, metido a filósofo: “Você sabe que está bêbado quando começa a sentir solidariedade e não consegue pronunciar esta palavra”. 

O Bofetada era um bar frequentado pela intelectualidade boêmia de Ipanema, no início da década de 70.  E não era à toa. O bar era ponto de encontro de jornalistas, artistas, intelectuais, políticos e pela garotada que frequentava o Píer de Ipanema. Batiam ponto no ‘pé-sujo’, Leila Diniz, Otelo Caçador, Jaguar, Ruy Guerra, Vinícius de Moraes, Grande Otelo, Wilson Simonal e Lúcio Rangel, entre outros. Petit, aquele garoto que inspirou Caetano Veloso a escrever a música ‘Menino do Rio’, também era frequentador assíduo do Bofetada, nesse tempo. Até Millôr aparecia lá, de vez em quando. 

Uma vez, no Bar Degrau, no Leblon, em uma entrevista que eu, Jaguar, Ykenga, Ferreth e Leonardo fizemos com o cartunista Otelo Caçador, ele disse que o crítico, jornalista e pesquisador musical Lúcio Rangel esperava o Bofetada abrir, sentado na calçada. Era o primeiro a chegar e o último a sair.

@ORioAntigo / Reprodução - 

Quando abriu as portas, em 1937, o dono, um português chamado Abílio de Almeida, deu o nome de ‘Nova Lisboa’, ao boteco da Rua Farme de Amoedo, 87, quase esquina com Barão da Torre.

O ‘Bofetada’ só ganhou esse nome em 1958. O nome tem duas versões sobre sua origem. A primeira versão parte do princípio de que o nome é originário de um time de futebol que se concentrava no bar, antes e depois dos jogos. A outra, defende a tese que esse nome se deve ao fato de que o primeiro dono, o português Abílio de Almeida, vivia ameaçando dar bofetadas nos clientes mais alterados. As duas versões foram defendidas pelo escritor Ruy Castro, no livro ‘Ela é Carioca’. Discordâncias à parte, o consenso é que o nome ficou muito melhor que ‘Nova Lisboa’, o nome original.

O Bofetada, nessa época, era conhecido e frequentado apenas por moradores do pedaço mas já era famoso, principalmente, pelo seu bolinho de bacalhau, servido quentinho e crocante acompanhado do chopp da Brahma bem tirado. 

Jaguar conta uma ótima história do Bofetada: “O cara ficava ligando várias vezes de madrugada para o dono do bar, perguntando a que horas ele ia abrir. Ligou insistentemente, várias vezes. Até que o dono do bar se aporrinhou e disse: Mas o senhor é um alcoólatra. Não pode esperar amanhecer? Aí o cara respondeu: É que eu sentei no vaso uma hora aí e dormi. Quando acordei tava trancado aqui no bar, sozinho. Então to aqui bebendo desde aquela hora e queria saber a que horas vou poder sair. Ora, o cara tava ligando para poder ir embora”.

Nos anos 90 o Bofetada sofreu uma grande reforma e ampliou o bar para o segundo andar onde ficavam dois apartamentos. No Bofetada Up, aconteciam rodas de samba, jazz e outros eventos culturais.

O carnaval de 2007 coroou o bar Bofetada como o centro nervoso da comunidade gay carioca. O ‘Rola Preguiçosa’, um bloco que desfilava na orla da Lagoa, foi quem trouxe os gays para a Farme de Amoedo. O bloco se concentrava na esquina de Maria Quitéria com Epitácio Pessoa, desfilava pela Visconde de Pirajá, entrando em Ipanema e seguindo pela rua Farme de Amoedo, até a dispersão que acontecia em frente ao Bofetada. A atriz Zezé Motta era a madrinha do bloco. 

Nessa época, o Bofetada passou a ser fequentado por um público homossexual que tornou o lugar seu quartel general. A turma gay que passou a frequentá-lo, no final da década de 90, o chamava carinhosamente de “Bofe”. 

Foi quando o bar começou a perder os clientes tradicionais que não queriam se misturar. O Bofetada fechou em 2009, quando Flávio, o filho do dono, desistiu do negócio.

Ediel Ribeiro (RJ)

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Ediel Ribeiro é carioca. Jornalista, cartunista e escritor. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) do romance "Sonhos são Azuis". É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG). Autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty" publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ) e Editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!". O autor mora atualmente no Rio de Janeiro, entre um bar e outro.

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