Coluna

SALTO PARA O NADA

Nanjing Yangtze River Bridge
Nanjing Yangtze River Bridge / Pinterest -  

A ponte Nanjing, localizada na China, sobre as águas turbulentas do rio Yangtze, tem o triste recorde de ponte dos suicídios. Um grande número de pessoas se joga no vazio, depois identificadas pelos bens pessoais encontrados na ponte ou mensagens manuscritas. Deve-se às mudanças bruscas na economia chinesa esse desacerto de pessoas que não conseguem conviver com o “novo mundo” velho a que a China se entregou?

Algumas mudanças nas nossas vidas provocam um certo desacerto com o mundo. O mundo está, constantemente, mudando e, para alguns, essas mudanças parecem não trazer benefícios ou, pelo menos, os benefícios que elas imaginam.

O desejo por um determinado mundo e pensando na chegada dele parece trazer bem-estar para os que o desejam. Para isso, esses desejosos se apegam a qualquer bandeira que diga que o seu objetivo está prestes a se realizar. Na verdade, ter cuidado com aquilo que se deseja pode ser perigoso, além de essa vinda não ser o, exatamente, desejado, mas sendo proposta por aqueles que desejam alcançar seus objetivos preenchendo o desejo de outros.

Quando construímos uma ponte para atingir nossos objetivos passando por cima de sentimentos próprios ou dos sentimentos dos outros, ou das opiniões e desejos dos outros, construímos a ponte dos nossos suicídios, incluindo aproveitar-se dos desejos de outros.

Apoiar ou colocar nas mãos de outros a construção da ponte dos nossos desejos é facilitar a vida do outro, prejudicar quem não gostamos e, no fundo, não ganhar nada com isso, ou apenas imaginar que os desejos internos foram satisfeitos e, na realidade, atende-se os desejos de outros.

Uma ponte leva a algum lugar difícil de ser alcançado, é um artifício que passa sobre os obstáculos, uma conquista sem lutas ou não, ignorando sobre quem ou o que estamos passando.

A vista que ela proporciona parece bonita, mas os fundamentos e os alicerces podem ser danosos.

Construímos uma ponte para atingir um fim, ou construímos uma ponte para preparar o nosso suicídio? Suicidar-se não é, necessariamente, dar cabo de si, fisicamente. O suicídio pode estar em liquidar toda a sociedade e nós, indubitavelmente, incluídos.

A boa notícia é que na ponte chinesa há um anjo da guarda e sua equipe que patrulham a estrutura e logram, algumas vezes, resgatar alguns.

Nesse caso, o guardião durante a caminhada pela ponte são nossos afetos, que ocultamos para atingir nossos objetivos. Esse guardião precisa ser despertado para que não nos lancemos no vazio das nossas frustrações.

Nilson Lattari

310 Posts

Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

Comentários