Coluna

Trinta anos sem Gonzaguinha

- Marineth, a morte prematura de Gonzaguinha, aos 45 anos, em acidente automobilístico, entre Marmeleiro e Renascença, no sudoeste do Paraná, na manhã de 29/4 de 1991, há 30 anos, ainda dói. A consternação do sentimento de perda iguala-se a morte do meu filho Vladimir, vítima de “bala perdida” entre narcotraficantes por domínio de território de venda de cocaína e maconha, em 2007, no Rio de Janeiro. Gonzaguinha e eu não gozamos de amizade de profunda intimidade, mas selamos estreita camaradagem na afinidade da concepção política ideológica, em encontros na gravadora Odeon, em Botafogo.

- Athaliba, a morte do Gonzaguinha deixou em choque a legião de fãs e o núcleo artístico musical brasileiro. Realmente, a comoção foi geral, em todos os cantos do Brasil. Que lembrança ocê tem dos encontros com ele?

Gonzaguinha em show intimista em Pato Branco, no Paraná, à vèspera do acidente de carro no qual morreu. Foto de Rudi Bodanese
Gonzaguinha em show intimista em Pato Branco, no Paraná, à vèspera do acidente de carro no qual morreu. Foto: Rudi Bodanese

- Marineth, o Gonzaguinha, como cidadão e, principalmente, artista, era ferrenho ativista na luta contra a ditadura empresarial-militar que causou profundos estragos ao Brasil no período de 1964-1985. Cujos reflexos ainda amargamos atualmente com a nefasta desigualdade econômica que aprofunda a miséria e faz crescer a pobreza. O papo com ele sobre novidades da atividade artística sempre desembocava em questões políticas que nos afligiam e à esmagadora maioria da população.

- Como assim, Athaliba?

- Marineth, o meu contato com Gonzaguinha se deu através do trabalho n’O Fluminense, jornal fundado em 8/5 de 1878, em Niterói/RJ, e considerado a maior publicação em circulação do antigo Estado do Rio de Janeiro, à época, anos 1970. Eu tinha página cheia, assinando coluna musical que atraia a atenção de boa parte dos leitores. Como até hoje não sei fazer leitura de partitura de música e não sou músico, além de considerar irreal a crítica do crítico, centrava os comentários nos discos com engajamento das obras em questões sociais. E Gonzaguinha, junto com Chico Buarque, Geraldo Vandré, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Paulo César Pinheiro, João Bôsco e Taiguara, entre outros, era artista constante no meu foco jornalístico, na coluna.

- Sei como é, Athaliba. Prá ocê a música não é só uma forma de expressar sentimentos de frustrações e desejos. Também o artista tem que comprometer sua obra com problemas sociais que afligem diretamente as pessoas no cotidiano. A música, no lirismo dos versos, tem que ajudar a tirar “véu dos olhos” das pessoas sobre as diferenças sociais e a discriminação. A música tem que ter algo de protesto, de intervenção para contribuir com o avanço da humanidade. Não falar de coisas banais. E isso pre(domina) o setor musical, recheado de apelos sensuais.

- Sim, Marineth. E Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, nascido em 22/9 de 1945, no RJ, filho de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, com a cantora Odaléia Guedes dos Santos, dedicou a sua trajetória artística à luta contra a opressão da ditadura militar. Ficou órfão com dois anos de idade, sendo criado pelos padrinhos Leopoldina de Castro Xavier e Henrique Xavier Pinheiro, o Baiano do Violão, com quem aprendeu os primeiros acordes do violão. Ingressou na Faculdade de Ciências Econômicas Cândido Mendes, em 1967, e criou as primeiras músicas a partir das rodas de violão na casa do psiquiatra Aluísio Porto Carreiro, o pai de Ângela, com a qual casou e teve os filhos Daniel e Fernanda. Ele também é pai de Amora, filha com Sandra Pera, integrante do grupo As frenéticas; e de Mariana, com a terceira esposa, Louise Margarete.

- Athaliba, logo de cara Gonzaguinha foi finalista com “Pobreza por pobreza”, em 1968, no Festival Universitário de Música, no qual, ano seguinte, obteve o primeiro lugar com a música “O trem”.

- Pois é, Marineth. Aí ele já mostrava consciência política e social. No programa de Flávio Cavalcanti, em 1973, após cantar “Comportamento geral”, jurados o acusaram de terrorista. Mas, a música tornou-se sucesso e o disco teve venda esgotada. Posteriormente censurada. Ele foi detido e obrigado a prestar esclarecimentos ao órgão repressor DOPS - Departamento de Ordem Política e Social. A perseguição militar, com censura de várias de suas composições, era como se o fortalecesse cada vez mais à luta contra a ditadura. Tinha talento e vitalidade invejável.

- Athaliba, a Maria Bethânia fez o Brasil cantar o grito dele em “Não dá mais prá segurar”, conhecida como “Explode coração”, em 1979. E depois ela eternizou “o que é, o que é?”. Não me canso de assisti-la cantando as duas no link https://www.youtube.com/watch?v=Josh5knH7Qc.

- Marineth, o Gonzaguinha foi amado pelo povo. No desfile da escola de samba Império Serrano, 2019, isso ficou evidente com a multidão indo ao delírio cantando o samba “O que é, o que é?”, como podemos ver no link: https://globoplay.globo.com/v/7386618/programa/. Mostra a força da obra musical dele nos 16 discos gravados, com canções românticas e de contestação político-social.

- Athaliba, qual a música de Gonzaguinha simboliza a trajetória musical dele?

- Marineth, o disco Moleque Gonzaguinha tem no repertório “Quintais/O meu aboio”. Creio que a música o mostra despido, por inteiro, desfazendo o que diziam da fisionomia sisuda dele e de ser “cantor rancor”. Ouça no link: https://www.youtube.com/watch?v=Tam6Oobf2Ow, Ele era avesso a estrelismos. Personalidade forte, figura ímpar na música brasileira, autor de músicas intuitivas, verdadeiras. Esse perfil diferenciado e marcante ficou no show intimista dele na cidade de Pato Branco, no Paraná. Foi o último show de Gonzaguinha, o tufão de amor da MPB, criador da aventurada “Lembranças da primavera”, primeira música que compôs. Tinha 14 anos de idade.

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

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