A 10ª edição do Festival de Arte Negra (FAN), com mais de uma centena de atrações na programação, realizado de 18 a 24/11 em diversos locais de Belo Horizonte, como o Palácio das Artes, a Funarte, o CentroeQuatro, o Cine Theatro Brasil Vallourec e o Viaduto Santa Tereza, deu a exata dimensão da diversidade e da qualidade da cultura da resistência. Segundo a opinião da jornalista Maíra Azevedo, conhecida como Tia Má, “o povo preto produz o tempo todo; nós produzimos a arte invisível que é a arte da sobrevivência, que assegura a nossa existência. Se não encontramos espaço nos festivais tradicionais, criamos o nosso próprio espaço, que reúne o povo preto de todas as partes do Brasil, celebrando a nossa forma de dizer que existimos e resistimos”.
A jornalista, que apresentou show de comédia e participou de roda de conversa no evento, sendo parceira do programa Encontro com Fátima Bernardes, na TV Globo, foi atacada nas redes sociais por mensagens racistas, chamada de “macaca”. Em resposta, ela argumentou que “é preciso expor os racistas e acionar os mecanismos de defesa; denunciar a página, buscar apoio nos órgãos específicos, como o Ministério Público”. Em 2014, Maíra recebeu o prêmio de jornalismo Abdias Nascimento, pelo Caderno Especial da Consciência Negra. No ano seguinte foi eleita uma das 25 negras mais influentes da Internet.
Um dos destaques da programação do FAN foi o grupo Samba da Meia Noite, no Viaduto Santa Tereza, onde há sete anos promove eventos gratuitos para celebrar o gênero musical e a cultura negra. O coordenador do grupo é Jefferson Gomes, que cresceu no município mineiro de Almenara, na bacia do Rio Jequitinhonha, na divisa com a Bahia, onde as cantorias de beira-rio (as chulas e os benditos) eram entoadas incansavelmente pelos moradores da região. Jefferson apresenta repertório de sambas com a intenção de reafirmar, sustentar e divulgar a riqueza cultural brasileira com voz e corpo.
Também expressivo destaque foram as duas apresentações do ator Antônio Pitanga, com o espetáculo “Embarque imediato”, celebrando os seus 80 anos de idade, que contou com os dois filhos, Rocco e Camila, através de vídeos e gravações de voz. O espetáculo narra o encontro entre um jovem negro doutorando brasileiro e um senhor africano, em uma sala de aeroporto, onde ambos se encontram retidos por problemas com seus respectivos passaportes, durante uma conexão de vôo. O encontro faz com que os dois tenham acesso a informações que mudam suas vidas.
Pitanga diz que “essa peça tem colocado o dedo na ferida, no sentido de levantar uma questão que é: de onde em vim? Que identidade eu tenho? Minha origem está em que país do continente africano? Isso diz respeito ao povo brasileiro, já que 55% da população é de pretos e pardos; então é exatamente sobre a diáspora que essa peça trata. Acho que é uma discussão importante e oportuna, e é uma discussão que eu proponho desde que me entendo por gente. Durante 80 anos da minha vida, incluindo os dois que morei na África, tenho buscado essa resposta. De qual África eu venho, qual a minha cultura?”.
Melvin Santhana, cantor, compositor e multi-instrumentista, que se apresentou no projeto “Orange Lady”, em homenagem ao cantor, compositor, ator e dançarino Markus Ribas (ele fez o papel de Carlos Marighela no filme “Batismo de sangue”, que sugiro aos leitores d’O Folha de Minas a assistir), disse que Minas Gerais não precisa buscar referências em nenhum lugar, já que é palco das congadas e de uma cultura negra própria. Segundo ele “faz todo o sentido ter um festival de arte negra aqui em BH”.
O Festival de Arte Negra, a partir de 2007, virou política pública e, desde então, está previsto em lei e obrigatoriamente precisa ser realizado pela Prefeitura de Belo Horizonte a cada dois anos. O FAN foi criado em Belo Horizonte em 1995, quando a morte de Zumbi dos Palmares completou 300 anos. A proposta é celebrar a cultura e história negra e reunir artistas locais, nacionais e internacionais. Na ocasião se apresentaram artistas como Milton Nascimento, Tim Maia, Luiz Melodia e Itamar Assumpção. Houve uma interrupção de oito anos e o FAN voltou a ser realizado a partir de 2003. Trata-se do maior festival de cultura negra do Brasil.
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