Vitória (ES) - Saímos, eu e a Sheila, às 17h do Aeroporto Eurico de Aguiar Salles, em Vitória.
No caminho para o hotel, o motorista do táxi, muito simpático, ao saber que eu era carioca e cartunista, puxou uma conversa sobre o cartunista, ator e escritor Milson Henriques.
Fiquei impressionado com a história do cartunista Milson - um ícone da cultura capixaba - nascido no Rio de Janeiro e radicado no Espírito Santo.
Cartunista, ator, poeta e escritor, Milson Henriques, nasceu em São João da Barra, no Norte Fluminense, em 1938. Aos 14 anos fugiu de casa; com 24 anos chegou ao Espírito Santo e daqui nunca mais saiu.
Começou no jornal “A Gazeta”, a convite do cartunista Janc que fazia no diário uma página de humor chamada o “Jornal do Janc”.
Milson passou a escrever a coluna “Dondoca já se foi”, uma colunista social que comentava com humor os acontecimentos da página policial de “A Gazeta”.
Trabalhou na Rede Gazeta durante quinze anos. No jornal foi chargista, cartunista e ilustrador. Na “TV Gazeta” apresentou, durante cinco anos, programas infantis.
De “A Gazeta” foi para “A Tribuna” onde criou o “Jornaleco” uma página de humor político nos moldes do “Pasquim”. No “Jornaleco”, foi preso pela primeira vez por causa de uma charge sobre Dom Hélder Câmara. Ao todo, foi preso 13 vezes.
O ator, com os amigos Rubinho Gomes, Amylton de Almeida e Antonio Alaerte, em 1970, montou o espetáculo “Ensaio Geral”, no Teatro da Escola Técnica.
Antes da apresentação, a censura proibiu o texto. “Nós fizemos mímica das falas intercalando músicas com Cristina Esteves e Os Mamíferos, que fecharam o espetáculo com a música “É Proibido Proibir”, de Caetano Veloso”, contou Rubinho.
A improvisação, o talento e a criatividade eram marcas registradas do artista.
Diversas vezes preso e censurado, a atuação do artista naqueles anos de chumbo - tanto no jornalismo, na poesia, no teatro como no rádio - deflagrou a resistência cultural à Ditadura Militar no Espírito Santo.
“Tudo o que eu fazia era proibido”, dizia.
Em 1973, criou sua mais famosa personagem: a feia, carente, e mau humorada Marly, a solteirona.
A personagem que viria a se tornar a mais famosa personagem de tirinha capixaba - e que até recentemente era publicada no Caderno 2 do jornal “A Gazeta” - nasceu de um desafio proposto pelo jornalista Marien Calixte, que assumiu o cargo de editor-chefe com a missão de modernizar “A Gazeta”.
Marien propôs a Milson criar uma personagem tipicamente capixaba. Nascia Marly, uma mulher alienada politicamente que leva a vida de uma dona de casa comum e passa o dia no telefone fofocando com a vizinha Creuzodete.
A personagem fez tanto sucesso que chegou a ser publicada em 15 jornais do país. A partir de 1974, Marly começou a ser publicada nas revistas de quadrinhos “Patota” e “Eureka”, ao lado de personagens famosos internacionalmente como Mafalda, Charlie Brown, Hagar, Zé do Boné, Kid Farofa e muitos outros.
Depois de 20 anos de sucesso nas tirinhas, a solteirona peituda chegou ao teatro. A Peça “Hello Creuzodete!”, interpretada pelo ator José Luiz Gobbi, fez sucesso durante 17 anos, nos palcos capixabas, em várias montagens.
Antes, Milson criou Edil Berto, o papagaio vereador. O personagem, politizado demais para aqueles tempos de Ditadura Militar, no entanto, não caiu nas graças do editor que preferia um personagem mais alheio aquele momento conturbado que atravessava o país.
Multimídia - antes da palavra existir - e respeitado por sua história como desenhista, poeta, ator, diretor, autor de peças teatrais e também na música e no rádio, Milson recebeu várias homenagens no Espírito Santo.
Em 2010, por sua contribuição para a cultura capixaba recebeu os títulos de Cidadão Capixaba e Cidadão Espírito-Santense.
Sua trajetória e participação ativa no movimento cultural capixaba foi registrada no documentário “Minha Vida não é só Teatro”, da cineasta Anginha Buaiz.
Em 2012, sua vida e obra foram temas da escola de samba Andaraí, no carnaval capixaba.
Autor de 14 livros de crônicas e poesias, em 2014, o cartunista publicou o livro infantil “As Mudanças de Beto”. A obra teve a renda revertida para a Associação Capixaba Contra o Câncer Infantil (Acacci).
Em junho de 2016, o cartunista perdeu a luta contra a leucemia.
A personagem Marly e milhares de fãs ficaram órfãos.
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