Cultura e Entretenimento

Elza Soares: enredo da Mocidade

No desfile das escolas de samba do Grupo Especial, no sambódromo no Rio de Janeiro, a consagrada e inimitável cantora Elza Soares será um dos principais destaques do Carnaval 2020. Ela é a homenageada da Mocidade Independente de Padre Miguel, encarnando o enredo “Elza Deusa Soares”, tendo como uma das bases de pesquisas o livro biográfico Cantando para não enlouquecer. A obra literária, lançada pela Editora Globo em 1998, é de autoria de José Louzeiro e do jornalista Lenin Novaes, colunista d’O Folha de Minas, com Crônicas do Athaliba. O livro ganhou nova edição, posteriormente, e foi lançado pelo Grupo Planeta, enriquecendo a trajetória da rainha do drible vocal que tem estilo de vida bastante intenso.

cantora elza soares durante apresentação no rock in rio
Elza Soares, que é enredo da Mocidade Independente de Padre Miguel conclamou o público do Rock in Rio a ir às lutar contra o Rio de Janeiro distorcido (Foto: Reprodução Internet)

A agremiação carnavalesca, que tem cores verde e branca, fundada em 10 de novembro de 1955, desfilará no dia 24/2/2020, segunda-feira, entre 01:30 e 02:10h, de acordo com a ordem de desfile da LIESA - Liga Independente das Escolas de Samba. O tempo de desfile das escolas foi reduzido, bem como alterado o horário do início das exibições das agremiações, conforme a mudança no regulamento ocorrida na reunião plenária de 12/9. Agora, cada escola terá o tempo mínimo de hora cheia e o tempo máximo de 70 minutos para se apresentar. Nos dias de desfile, domingo e 2ª feira, as apresentações, portanto, terão início às 21:30h.

Na noite do dia 14/9, entre quatro finalistas, a verde e branca de Padre Miguel escolheu o samba-enredo que irá embalar a escola no desfile. São oito os autores: a cantora Sandra de Sá, Igor Vianna, Solano Santos, Renan Diniz, Jefferson Oliveira, Laranjo, Mário e Telmo Augusto. O intérprete é Wander Pires. Antes da disputa que determinou o samba finalista, houve celebração pelo retorno à escola do primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira: Diogo Jesus e Bruna Santos, na quadra conhecida como Maracanã do Samba. O carnavalesco é Jack Vasconcelos, com Fábio Fabato organizando a sinopse e André Luís Junior realizando as pesquisas.

O jornalista Lenin Novaes, ligado às manifestações do samba, nosso patrimônio cultural, integrou a comissão de carnaval do famoso bloco Cacique de Ramos, foi coreógrafo de um dos desfiles da escola de samba Unidos da Ponte, criou e editou o jornal Vanguarda do Samba e foi diretor da Associação da Velha Guarda das Escolas de Samba, além integrar a comissão de Carnaval da TV Globo, na metade da década de 1980, quando exercia a função de sub-chefe de reportagem. Fez a cobertura de muitos dos desfiles das escolas de samba quando repórter do Jornal Última Hora e teve coluna sobre música popular no jornal O Fluminense, ao mesmo tempo em que exercia a função de assessor de imprensa da gravadora Copacabana.

Elza Soares foi uma das principais atrações musicais do Rock in Rio, no domingo, 29/9, e se manifestou politicamente para o público: “Sonha, mas é preciso acordar, minha gente! Lutar, gritar, ir às ruas, aprender a votar, que vocês não sabem votar. Nós não sabemos. Vamos às ruas! Esse Rio de Janeiro acabado. Esse Rio de Janeiro completamente distorcido. Cadê o povo? Cadê a voz da gente? Cadê as mulheres?”.

 

Ageu Ebert: Qual a sua expectativa com o desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel fazendo homenagem à cantora Elza Soares, sendo um dos autores da biografia da artista?

Lenin Novaes - A cantora Elza Soares tem identificação muito forte com a escola, onde já foi intérprete de samba-enredo, entre outras contribuições prestadas em muitos desfiles. Portanto, é mais que legítima e justa a homenagem. Ela tem universo artístico extenso, diversificado, e o maior desafio é contextualizar a carreira na conturbada conjuntura da vida brasileira no contexto da sua existência. Será fundamental expor as vísceras das desigualdades econômicas, dentro de uma abrangência nacional, sintetizada, sem a descaracterização da personagem. Por certo, ainda poderá abordar o racismo estrutural brasileiro e as diferenças que marcam o universo feminino no mundo dominado pelo machismo. Vamos aguardar o que a escola apresentará no desfile.

Também quero dizer que é imensa a alegria, e na lembrança do saudoso amigo e parceiro no livro Cantando para não enlouquecer, felicito a direção da Mocidade Independente de Padre Miguel pela escolha do enredo. A homenagem à consagrada artista por sua escola de samba do coração celebra justa e honrosa gratidão. Por muitas vezes assisti aos ensaios da verde e branco da Vila Vintém, aceitando convite e retribuindo as visitas do compositor Antonio Correia do Espírito Santo, o Toco, à redação do Última Hora, nos anos da década de 1970, junto com o saudoso jornalista José Carlos Rêgo. Recordo de boas conversas com Toco na companhia dos jornalistas Waldinar Ranulpho, o Meu Sinhô; Jorge Elias de Barros Sobrinho, Jarbas Domingos Vaz e Antonio Lemos. Enfim, são muitas e singelas as recordações sobre a escola, na convivência com Claudionor Belisário Silva, o Nôno de Padre Miguel, na Associação da Velha Guarda das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, onde idealizei e editei o jornal Vanguarda do Samba, com o jornalista Paulo Francisco Magalhães.

Ageu Ebert: A Mocidade ficou em 6º lugar no resultado geral e a Mangueira foi campeã. A Império Serrano e a Imperatriz Leopoldinense foram rebaixadas, no Carnaval passado. Com “Elza Deusa Soares” a escola pode arrebatar o título de 2020?

Lenin Novaes - O titulo de escola campeã fica literalmente aberto até a exibição da última agremiação. As diferenças de pontuação, na classificação geral, são mínimas, ultimamente. Claro que a Mocidade tem chances de ser vitoriosa. Mas, o enredo não tem grande patrocinador, como em 1984, quando foi inaugurado o sambódromo, denominado Passarela Professor Darcy Ribeiro, e a escola ficou em 3º lugar com “Mamãe, eu quero Manaus”. Aliás, naquele ano, a Mangueira se sagrou campeã com o enredo “Yes, nós temos Braguinha”, exaltando o compositor Carlos Alberto Ferreira Braga, conhecido por Braguinha e também por João de Barro.

Ageu Ebert.: Já teve tentativa de virada de mesa, com a rebaixada Imperatriz retornando ao Grupo Especial; e a disputa pela administração do sambódromo, envolvendo Crivella e Witzel, respectivamente, prefeito e governador do Rio de Janeiro. Como analisa essa situação?

Lenin Novaes - A gestão do sambódromo continua com a Prefeitura do Rio. O contrato foi firmado recentemente, com o representante da RIOTUR e o presidente da LIESA. A Lei 2720 de 1998 estabelece que a administração do carnaval carioca é da responsabilidade exclusiva, direta e intransferível da prefeitura, incluindo a organização dos desfiles das escolas de samba do Grupo Especial, Grupo de Acesso e o Desfile das Campeãs.

As desavenças entre o bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, Marcelo Crivella, e o ex-juiz federal, Wilson Witzel, continuam. Em evento recente na quadra de ensaios da Mocidade, o secretário de Cultura, Ruan Lira, criticou o prefeito. Ele disse o seguinte: “Me desculpe, prefeito Crivella, mas o carnaval será abraçado pelo governo do Estado”, em tom de provocação. Há dias o prefeito recebeu planilha na qual revela que as despesas com a estrutura do sambódromo em favor da LIESA somam R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais).

César Maia, quando prefeito, entregou o sambódromo de bandeja à LIESA. Desde então a situação do Carnaval na Passarela Professor Darcy Ribeiro é nebulosa. Um desembargador já disse que “a LIESA goza de plena notoriedade no exercício de um trabalho cultural e artístico desempenhado pelas escolas de samba, que traduz o produto material vendido ao público; no entanto essa notoriedade não estende à atividade gerencial de um evento de massa, que nada tem de peculiar em face de outros eventos dessa mesma natureza e que pode ser plenamente delegado às diversas empresas do ramo”.

Nos subterrâneos do chamado maior espetáculo da terra - o desfile das escolas de samba -, o que se diz é que “a LIESA mama dinheiro nas tetas dos cofres públicos”. A instituição que foi criada a partir de divergências de subvenção (dinheiro público dado às agremiações) entre as escolas de maior e menor projeção, ainda dá as cartas no embaralhado esquema do Carnaval. E, com relação à Imperatriz, a escola continua rebaixada e vai encarar o Grupo de Acesso.

Com “ajustes” na letra feita pela direção da escola, veja como ficou o samba-enredo da Mocidade, acompanhando pelo link: YOUTUBE.

Lá vai menina ...

Lata d’água na cabeça

Vencer a dor que esse mundo é todo seu

Onde a “Água Santa” foi saliva

Prá curar toda ferida que a história escreveu

É sua voz que amordaça a opressão

Que embala o irmão

Para a preta não chorar

Se a vida é uma “aquarela”

Vi em ti a cor mais bela

Pelos palcos a brilhar

 

É hora de acender no peito a inspiração

Sei que é preciso lutar

Com as armas de uma canção

A gente tem que acordar

Da “lama” nasce o amor

Quebrar as “agulhas” que vestem a dor

 

Brasil, enfrenta o mal que te consome

Que os filhos do planeta fome

Não percam a esperança em seu cantar

O, nega, “sou eu que te falo em nome daquela”

Da batida mais quente, o som da favela

É resistência em nosso chão

“Se acaso você” chegar com a mensagem do bem

O mundo vai despetar, deusa da Vila Vintém

Eis a estrela ...

Meu povo esperou tanto prá revê-la

 

Laroyê e Mojuba ... Liberdade

Abre os caminhos prá Elza passar ...

Salve a Mocidade!

Essa nega tem poder, é luz que clareia

É samba que corre na veia

Comentários