Coluna

BH terá prefeita transexual?

duda salabert e ciro gomes
Duda Salabert, ao lado de Ciro Gomes, pode ser a primeira prefeita transexual do Brasil (Foto: Divulgação)

- Athaliba, você vê com naturalidade o fato de uma transexual ser a primeira prefeita eleita para uma das principais capitais do Brasil?

- Marineth, tal acontecimento, com certeza, revelará que o amor sempre vence o ódio. Sobretudo na atual conjuntura brasileira em que o governo distila farta intolerância contra negros, lésbicas, gays, bissexuais, travestis e intersexuais. Mas, como você divisa essa possibilidade no horizonte?

- É o seguinte, Athaliba: A travesti Lica, aquela que “puxou trenzinho” na manifestação em Belô em defesa da Floresta Amazônia gritando no megafone o slogan “bota supositório de pimenta no c*** do mito”, fazendo referência a Jair Messias, acaba de revelar que a transexual Duda Salabert será candidata à Prefeitura de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, nas eleições de 2020.

- Marineth, que beleeeeeeeeeeeeeeeza de notícia. A travesti Lica é organizada e vale lembrá-la na crônica  https://www.ofolhademinas.com.br/materia/31893/coluna/supositorio-de-pimenta.

- Pois é, Athaliba. Na praça redonda de Alucard, perto do monumento de concreto à Bíblia, Lica se encontrou com a amiga, a transexual Mary Help, logo que chegou de Belô, depois de participar do ato de filiação da professora Duda Salabert ao PDT. E, transbordando de entusiasmo, foi logo propondo reunião com comunidade LGBTi e o Movimento Mulheres Aguerridas de Alucard.

- Qual é a finalidade desse encontro, Marineth?

- Athaliba, a Lica, não cabendo em si de tanta euforia, argumentou que é necessário criar uma situação de fato em Alucard, o mais rápido possível, para exorcizar a apatia da população. Disse que, por meio de ampla e forte mobilização popular, é viável quebrar o machismo predominante e, assim, eleger mulheres para a Câmara de Vereadores de Alucard.

- Marineth, a travesti tem razão. No rabo da provável campanha da transexual Duda Salabert para prefeito de Belô cabe realizar trabalho de agitação política para sacudir Alucard.

- É exatamente isso, Athaliba. Cê tá careca de saber que as mulheres são maioria na população de Alucard. Sabe que a Câmara de Vereadores tem 17 parlamentares homens, nenhuma mulher. Sabe que Alucard é curral eleitoral de forasteiros, principalmente da família do pastor evangélico Lincoln Portela.

- Sim, Marineth, infelizmente. Alucard é uma cidade atrasada, retrógrada, estropiada por todos os lados, apesar de figurar na 6ª colocação no ranking de arrecadação financeira entre os mais de 850 municípios de Minas Gerais.

- Athaliba, depois de perder o Pico Cauã na exploração do minério de ferro, por décadas, Alucard é conhecida como “a prostituta do capitalismo da mineração” e acumula milhões e milhões de m³ de rejeitos em mais de uma dúzia de barragens. Que não se rompam, como em Brumadinho.

- Marineth, não me fale dessa herança maldita.

- Cê tem razão, Athaliba. Sabia que a transexual Duda Salabert tem uma filha biológica com a mulher dela, Raísa Novaes? A menina nasceu dia 19 de junho e se chama Sol. A professora diz que a filha “como qualquer outro indivíduo pode se tornar uma pessoa transexual e, se no futuro isso ocorrer, não vai ter de se preocupar em retificar o nome, pois a escolha não foi só um ato político, mas um gesto de amor”.

- Marineth, a Duda foi candidata ao Senado pelo PSOL e recebeu expressiva votação. Bem mais que a Dilma, em Belo Horizonte. Depois deixou o partido alegando transfobia no partido.

- Ela, Athaliba, na ocasião, afirmou que “sou a terceira mulher mais votada da história de Minas Gerais e não tive estrutura, pois fiz a campanha praticamente sozinha. O PSOL não fez nenhuma caridade pra mim. Disputei e ganhei as prévias para me candidatar ao Senado. Minha saída foi pedagógica, para que reavaliem sua democracia interna. Quero ver o PSOL colocar uma travesti como cabeça de chapa”.

- Marineth, será que a Duda tem chance de ser candidata a prefeito de BH pelo novo partido?

- Athaliba, o Ciro Gomes, terceiro colocado nas eleições à Presidência da República, disse que a recebia no PDT “com tapete vermelho”. Ele fez questão de participar do ato de filiação da Duda, ovacionada pela militância com gritos de “bem-vinda”.

- Com isso, Marineth, ela vislumbra se tornar a primeira prefeita travesti do país?

- Athaliba, ela está animadíssima, segundo a travesti Lica, que reproduziu uma fala da transexual que “a cidade ideal ouve a voz dos movimentos sociais e tem respeito pelos animais, pessoas LGBTs, negros e mulheres”. Criticou o prefeito Kalil (PHS) por oportunismo barato ao frequentar a Parada do Orgulho LGBT, mas proibiu a encenação Coroação da Nossa Senhora das Travestis. Confira em https://www.ofolhademinas.com.br/materia/31700/coluna/ns-dos-travestis-vetada-na-virada-cultural-em-bh.

- Bem, Marineth, vamos manter o foco na transexual, que estará sob os holofotes da mídia, daqui por diante. Para ela o poema “Colorir”, da travesti Virginia Guitzel, trabalhadora da saúde pública e militante do grupo de mulheres Pão e Rosas.

“Faltará tinta
No dia que o céu for livre
Pra todos serem o que são
Cobertos pelo sol, sem nenhum tipo de opressão
Faltará nomes
Pra descrever o mundo sem as misérias
O que sentimos, o que nos tornamos
O novo ser sem medo de viver
Faltará a falta que nos entristece
Que hoje enche o peito de vazio e fumaça
Não faltará amor, não faltarão sonhos
O novo mundo se abrirá para o futuro
Onde o presente dominará o passado
E nossos corações, enfim, serão salvos” 

 

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

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