Cultura e Entretenimento

Glória ao Samba

Magistral. O palco do Teatro Rival, na Cinelândia, no Rio de Janeiro, serviu de cenário para a realização de alguns dos shows musicais mais significativos à cultura popular nesses tempos em que o caldeirão transborda de superficialidade artística, despejando “medíocres celebridades” por todos os lados. Integrantes do conjunto musical do Instituto Glória ao Samba - aliás, uma instituição sui generis que resgata, preserva e difunde os elementos do samba, patrimônio cultural do Brasil - mergulhou a fundo nas matrizes musicais das escolas de samba do Salgueiro, Império Serrano, Portela e Mangueira, cobiçando encerrar o ciclo sonoro com a Estácio de Sá. Aguardo.

O espetáculo, com apresentação única dedicada a cada agremiação - o público considerou lamentável -, surpreendeu pela qualidade melódica e harmônica da produção coletiva autônoma, despojada daqueles recursos inúteis de efeitos de luz de neon e de coreografias mirabolantes de bumbuns delineando “quadradinho de oito”. Não se trata de qualquer preconceito, cabendo, aqui, apenas uma referência ilustrativa do quanto é dispensável qualquer forma de envelopar um show com acessórios. Assim como Joãosinho Trinta “plantava tripés” nas laterais da escola de samba, na chamada evolução do superdesfile, o que escondia a arte da dança e do canto do sambista.

A pesquisadora e escritora Rachel Valença,Edaurdo Pontim, do Instituto Glória ao Samba, e os jornalistas Lenin Novaes e Jarbas Domingos Vaz (Foto: Divulgação)

Gravações históricas e lendárias, além de sambas inéditos e consagrados em terreiros de samba, não registrados em fonogramas, compõem a base do repertório do impecável espetáculo, contextualizadas pelos músicos sem personalismo. A perfeita sintonia e interação com o público é centrada nos detalhes inusitados das composições, resultado de refinado trabalho de pesquisa. O show, sem qualquer analogia, relação, semelhança, nos remete às conferências acadêmicas que fascinam e tiram os véus dos olhos da plateia. Aliás, esse espetáculo musical, sem favor algum, pode fazer parte da grade educativa de programas universitários no setor cultural. Qual instituição se habilita? A direção da UFRJ pode incluir às comemorações dos seus 100 anos, em 2020.

No show dedicado à Mangueira, o protesto imprevisto no palco do compositor Hélio Turco por ter sofrido punição da diretoria e contra os desmandos impostos à base de revólveres, ajudou a aumentar o clímax, ao contrário de quebrar a harmonia. A presença permanente dele entre os músicos não configurou culto ao personalismo de um dos recordistas de samba-enredo da verde e rosa. Assim, também, como as lembranças de Cartola e Carlos Cachaça não predominou como referência maior do espetáculo. É imperativo destacar esse aspecto do show não ancorado em personagem medalhão, fiel ao título “Mangueira – a semente do samba e seus frutos”.

Com sambas de variados autores, num roteiro dividido em blocos, fazendo a trajetória da agremiação e tendo no coro as pastoras Guesinha, Zenith e Soninha da Pedra, em participações especiais, o conjunto do Instituto Glória ao Samba celebrou Mano Elói (nascido em 2 de maio de 1888, antes da abolição da escravatura, um dos fundadores da Império Serrano e que levou o samba à Mangueira, segundo Carlos Cachaça), Antonico, Cartola, Saturnino, Zé Criança, Zagaia, Nelson Cavaquinho, Geraldo Pereira, Hélio Cabral, Cícero dos Santos, Zé Ramos, Padeirinho, Preto Rico, Pelado, Jurandir, Geraldo da Pedra, Babaú, Geraldo das Neves, Chiquinho Modesto, Bira, Zé Espinguela, Jabá, Artuzinho, Gradim, Maciste, Aluisio Dias e Nelson Sargento. Observei junto a Eduardo Pontim, um dos integrantes do conjunto, a ausência de Darcy da Mangueira no repertório, pranteada, assim como outros autores.

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O compositor Monarco, expressão antológica do samba, em participação especial no show do conjunto do Instituto Glória ao Samba, no Teatro Rival, no Rio de Janeiro (Foto: Divulgação)

Do espetáculo dedicado à Portela, a plateia aplaudiu as interpretações e histórias contadas por Monarco. Entre o público, Carlos Montes (co-autor da biografia da Velha Guarda, com João Baptista de Medeiros Vargens, ex-diretor cultural da agremiação e pai da cantora Marisa Monte), o jornalista Jarbas Domingos Vaz (portelense de quatro costados, ex-diretor da escola, prestador de relevantes serviços à agremiação), Marília Trindade Barbosa da Silva (ex-presidente do Museu da Imagem e do Som, co-autora com Lygia Santos, filha de Donga, do livro “Paulo da Portela – traço de união entre duas culturas”), Luis Carlos Magalhães, presidente da azul e branco de Madureira; além de outros baluartes que sustentam a tradição do samba.

Na preparação de encerramento do ciclo de shows, tendo como alvo a Estácio de Sá, os componentes do conjunto Instituto Glória ao Samba – Beto, Careca, Galego, Jerry, Lô Ré, Luisinho, Luiz Doido, Maciel, Marcelo, Paiva, Pontim, Pato Rouco, Paulo Mathias, Rafa do Prato, Sidnei, Tuco e Zeca – estão incursionando pela história da agremiação, considerada pioneira a utilizar a nomenclatura “escola de samba”. Que seja breve! 

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