RIO - Eu sou do tempo das revistinhas do Carlos Zéfiro.
Zéfiro era um cartunista que escrevia putaria.
Quem tem mais de 40 anos, sabe do que eu tô falando.
Na época, no Brasil, não existia "Playboy", "Ele e Ela", "Penthouse"... Essas revistas de
mulher pelada.
Internet, nem pensar.
Só tinha o Zéfiro.
Ele, aliás, foi o responsável pela iniciação sexual da maioria dos adolescentes da minha época.
Ele, e as empregadas domésticas.
Mas, quem era Carlos Zéfiro?
O autor dos catecismos sempre foi uma incógnita. Ninguém sabia a verdadeira identidade do autor dos quadrinhos eróticos que fizeram a iniciação sexual dos adolescentes nos anos 50 e 60.
Era época da ditadura militar no Brasil. Os militares realizavam investigações para descobrir o autor daquelas obras pornográficas. Chegou-se a prender por três dias o editor Hélio Brandão, amigo do artista.
Em 1991, o desenhista, Eduardo , vizinho e colaborador de Alcides, revelou em entrevista ao jornal "A Notícia", ser ele o autor das revistinhas.
Alguns meses depois, o jornalista Juca Kfouri, da Folha de São Paulo, publicou na revista Playboy uma reportagem revelando que Zéfiro era, na verdade, o funcionário público do setor de imigração do Ministério de Trabalho, Alcides Aguiar Caminha, um carioca nascido no bairro de São Cristovão, subúrbio do Rio de Janeiro, em 1921, desmascarando Eduardo.
Na época da revelação, Eduardo, chegou a propor um duelo público, para desenhar quadrinhos, que Alcides não aceitou por causa da catarata e de uma paralisia.
As revistinhas clandestinas - que ganharam o nome de "catecismo" por terem o formato dos livretos usados nas aulas de catecismo nas igrejas - devido ao seu conteúdo porno-erótico eram vendidas dissimuladamente em bancas de jornais e chegaram a tiragens de 30 mil exemplares.
Os "catecismos" eram desenhados diretamente sobre papel vegetal, eliminando assim a necessidade do fotolito e impresso em diferentes gráficas em diferentes estados da Federação, gerando, inclusive, diversos imitadores.
Seus desenhos, repletos de histórias picantes de sexo, classificado de underground e cult, povoavam o imaginário erótico de muita gente que devorava suas historinhas escondida em quartos e banheiros.
Se Nelson Rodrigues conduzia o público até a porta da alcova, era Zéfiro quem deixava a porta escancarada - dizia o jornalista baiano Gonçalo Junior, autor de "O deus da sacanagem: a vida e o tempo de Carlos Zéfiro", a biografia de Carlos Zéfiro.
Autodidata, além de desenhista, Alcides Caminha, de pouca escolaridade, tentou a sorte no futebol e na música, mas ficou conhecido mesmo por suas habilidades como desenhista.
Como compositor, chegou ser parceiro de nomes como Guilherme de Brito e Nelson Cavaquinho com quem compôs quatro sambas para a Mangueira, entre eles, dois grandes sucessos: "Notícia", gravado por Roberto Silva e "A Flor e o Espinho", seu maior sucesso, gravado, entre outros, por Nelson Cavaquinho e Beth Carvalho.
Carlos Zéfiro sempre foi perseguido pelos militares, combatido e ignorado pela imprensa brasileira.
Só em 1992, quando já estava doente foi estrela de uma Bienal de Quadrinhos sendo agraciado com o prêmio "HQMIX" pela importância de sua obra.
Deu entrevistas para jornais, revistas e emissoras de TV. A obra de "Carlos Zéfiro", enfim, ganhava o merecido reconhecimento.
Após sua morte em 1997, a cantora Marisa Monte homenageou Zéfiro estampando um de seus desenhos na capa do disco "Barulhinho Bom".
Em agosto de 1999, em Anchieta, bairro em que morava, foi inaugurada a Lona Cultural Carlos Zéfiro,
Em janeiro de 2011, os trabalhos de Zéfiro foram expostos ao lado de outros quadrinhos eróticos do resto mundo no Museu do Sexo, em Nova York.
Alcides Aguiar Caminha - ou melhor - Carlos Zéfiro, faleceu em 5 de julho de 1992, no bairro de Anchieta, no Rio de Janeiro.
*Ediel é jornalista e escritor
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