Agropecuária

Molécula está em fase de licenciamento para aplicação na indústria

"Super enzima" de bactéria pode transformar resíduos em biocombustível

cana de açucar
Corinna Schenk / Pixabay 

Belo Horizonte - Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) divulgaram, nesta quinta-feira (13), na revista Nature, o processo e potencial de um biocatalisador isolado a partir de bactérias do solo brasileiro. A enzima, denominada CelOCE (Cellulose Oxidative Cleaving Enzyme), tem capacidade de transformar resíduos vegetais em biocombustíveis e outros produtos de alto valor industrial.

As amostras analisadas foram coletadas em áreas tradicionalmente cobertas por bagaço de cana-de-açúcar. As bactérias estudadas não passaram por processos de seleção e criação em laboratório, sendo encontradas por meio de um trabalho de bioprospecção. A pesquisa percorreu todas as etapas, desde a identificação dos microrganismos até a produção da enzima em escala industrial, na planta-piloto do CNPEM. O pedido de patente da CelOCE já foi depositado, e seu licenciamento para uso industrial está em andamento. A aplicação no setor produtivo pode ocorrer entre um e quatro anos após a finalização do processo de licenciamento, dependendo das tecnologias adotadas.

A descoberta das bactérias faz parte do programa de mapeamento genético da biodiversidade microbiana brasileira, conduzido pelo CNPEM em parceria com instituições nacionais e internacionais. Projetos semelhantes já levaram ao isolamento de compostos com potencial para uso médico, incluindo colaborações com o Instituto Nacional de Pesquisa para Agricultura, Alimentos e Meio Ambiente da França (INRAE) e a Universidade Técnica da Dinamarca (DTU).

Pequenas enzimas, grandes impactos

A CelOCE é uma enzima de estrutura reduzida, composta por apenas 115 aminoácidos. Seu tamanho diminuto a torna mais fácil de modificar em laboratório, aumentando sua flexibilidade para aplicações industriais. Essa característica é um dos fatores que fazem com que os cientistas do CNPEM considerem a descoberta um grande avanço para a indústria de biocombustíveis e biomateriais.

Quando utilizada em conjunto com outras enzimas já presentes na indústria, a CelOCE demonstrou um aumento de até 21% na liberação de glicose a partir de resíduos vegetais, um resultado promissor para a produção de biocombustíveis. Sua função é acelerar a desconstrução da celulose, uma etapa fundamental para a conversão de biomassa em bioenergia e produtos químicos sustentáveis.

"Essa descoberta muda o paradigma da degradação da celulose na natureza e tem o potencial de revolucionar as biorrefinarias", explica Mario Murakami, pesquisador do CNPEM e líder do estudo.

A pesquisa teve como objetivo elucidar a "matéria escura metagenômica", ou seja, genes de função desconhecida pertencentes a microrganismos não cultiváveis em laboratório. Segundo Murakami, mais de 90% da vida microbiana ainda não foi caracterizada e pode conter informações fundamentais para a compreensão de diversos processos biológicos, como a degradação da celulose.

O avanço só foi possível graças à infraestrutura do CNPEM e à expertise dos pesquisadores, que permitiram a caracterização detalhada da estrutura tridimensional da CelOCE e seu mecanismo de ação sobre as fibras de celulose. "Seu mecanismo único, baseado na bioquímica redox, leva a ganhos superiores aos conhecidos atualmente no estado-da-arte", conclui Murakami.

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