Coluna

Maioria em Alucard, mulheres são descartadas

- Athaliba, você sabia que tem mais mulheres que homens em Alucard, numa população de quase 120 mil habitantes? Embora descoberta em 1698, portanto há 320 anos, somente teve o território ocupado no decorrer do século XVIII. Com o fim da exploração de ouro, especialmente às margens dos riachos junto ao Pico Cauã, a extração de minério de ferro passou a ser a fonte principal de arrecadação. Do povoado de Sant’Ana do Rosário, então, foi designada distrito, em 1827, e, desde 9 de outubro de 1848, deixou a categoria de vila, sendo alçada a cidade de Alucard. Portanto, neste 2018, está comemorando 170 anos, né? Mas, apesar de maioria, as mulheres são descartadas da vida institucional de Alucard.

- Opa, Marineth! Numa cultura diferente da nossa poderia montar um harém. Será possível transportar Alucard para a região do Golfo Pérsico ou integrá-la à Arábia Saudita? Que beleza. Bem, brincadeira à parte, minhas felicitações ao povo de Alucard, especialmente às mulheres.

- Não creio, Athaliba, que mereça parabéns. Alucard está longe de fato de considerar-se cidade emancipada político-administrativa. Ocupa a sexta colocação no ranking financeiro entre as 853 cidades do estado. Mas, apesar disso, é uma das cidades mais atrasadas, em todos seus aspectos estruturais. Todos os 17 vereadores, por exemplo, são homens. Ou seja, mulher não se representa no parlamento de Alucard. O trem é doido. Isso ilustra ou não a desproporcionalidade? Alucard sequer sabe honrar a memória do filho ilustre, o poeta Antônio Crispim, cujos símbolos culturais estão em estados degradados.

- É verdade. Pobre Alucard. Apesar de receita financeira substanciosa proveniente da Yale e que inveja a maioria dos mais de 5.500 municípios, o povo amarga a falta de serviços essências à saúde, educação, transporte, cultura e habitação, entre outros. Absurda a ausência de mulheres num dos mais importantes e fundamentais poderes de Alucard. Qual sua opinião sobre a questão, Marineth?

- Uai, Athaliba, sinto-me desprestigiada, Mas, principalmente, indignada, Como é possível uma cidade ter mais mulheres que homens e estarem fora da estrutura da vida institucional, me pergunto. Sem análise definitiva, conclusiva, o que observo é que as mulheres sempre estiveram muito dispersas, numa manobra bem articulada do machismo. Por todo o interior do país isso é bem visível.  A desculpa não se justifica, considerando que o acesso às informações no chamado mundo global permite às mulheres articular mudança de hábito, costume. Vou me transferir para Alucard para semear o vento na cidade e beber a tempestade. Criaremos grupos de discussão na área urbana, onde está concentrada mais de 90% da população, e na área rural. Mobilização total das mulheres contra a opressão em Alucard!

- Muito bem, Marineth. Conte com o meu apoio e colaboração. Estruture aparelhos femininos e faça valer de fato esse empoderamento que mulheres tanto apregoam, proclamam, expressam. E, mais uma vez, como disse um grande revolucionário latinoamericano, “Hay que endurecerse, pero sin perder La ternura jamás”. Sem ódio e com muito amor, pois a natureza nos sintoniza. E, por falar nisso, veja o poema Corujas no memorial, que fiz em lembrança do nosso querido poeta Antônio Crispim.

 

No buraco do barranco no Pico do Amor, à frente do memorial,

Saudoso poeta, a vida renasce, apesar do infortúnio do ar fatal,

Repleto de resíduos de minério de ferro que cai sobre a cidade,

Causando danos profundos à saúde e acarretando mortalidade.

 

Sim, mesmo assim, a vida resiste num plano de vôo muito real:

Escondido, asilado, no escuro daquele buraco lá na horizontal,

Como sendo paraíso, casal de ave de rapina vive em felicidade,

Da volúpia sexual, no ninho, garante à espécie a continuidade.

 

Foi estimada e grande amiga quem viu primeiro e me contou:

“Lenin, pequenas corujinhas vêm à beira da toca, irradia o dia,

Emoldurando o barranco barrento, como um conto de magia”.

 

Meu saudoso poeta é sinal que a água da chuva o vento lavou,

Fez ressurgir esperança no caos que o minério o ar impregnou,

Proporcionando, quem sabe, novo sopro de vida que contagia.

 

 

*Lenin Novaes, jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS.

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

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