Coluna

UMA HISTÓRIA DO CACIQUE

Rio de Janeiro - Morei, durante muitos anos, ao lado da tradicional quadra do Bloco Cacique de Ramos, na Rua Uranos, em Ramos. Da minha janela, dava pra ver a famosa Tamarineira.

Era frequentador assíduo do Bloco. Irene, minha ex- esposa, ensaiava as princesas do bloco - a jornalista Glória Maria foi a primeira princesa do Cacique de Ramos - quando se aproximava o carnaval.

Às quartas-feiras, eu tomava porres homéricos, embaixo da Tamarineira, enquanto rolava a roda de samba, comandada pelo “Bira Presidente”.

Celeiro de grandes compositores, artistas do verso como: Almir Guineto, Deni de Lima, Beto Sem Braço, Neoci, Baianinho, Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho e muitos outros. Sambistas que faziam do Cacique de Ramos um ponto de encontro da arte do Partido Alto e do autêntico samba de raiz.

O Bloco era uma festa.

Eu era muito amigo do pessoal do Cacique. Principalmente, dos irmãos Bira e Ubirany, filhos do seu Domingos - que era amigo de Pixinguinha, Donga e Carlos Cachaça - e dona Conceição - filha de santo da famosa Mãe Menininha do Gantois.

Ubirajara Félix do Nascimento, o “Bira Presidente”, nasceu no samba. Aprendeu a tocar pandeiro com Honório Guarda. Mais tarde, conviveu com Aniceto do Império e outros que influenciaram a sua forma de tocar percussão.

Fundou, junto com Ubirany, Almir Guineto, Jorge Aragão, Neoci, Sereno e Sombrinha, o Grupo Fundo de Quintal.

Entrevistei o grupo várias vezes, para jornal, rádio e revista.

Entrevistei, também, Arlindo Cruz, Sombrinha, Jorge Aragão e Almir Guineto, quando deixaram o grupo e partiram para a carreira solo.

BIRA
Bira Presidente de 88 anos, faleceu na noite deste sábado, 14 de junho de 2025, no Rio de Janeiro. (Divulgação) 

Um dia, Bira me ligou perguntando se eu não queria ser presidente do Cacique de Ramos.

Levei um susto!

- Tá maluco, Bira!

- Por que não? Você é dono de boteco, empresário de grupo de pagode, jornalista e gosta de samba. Tudo a ver, disse o "Presidente".

Na época, o "Fundo de Quintal" viajava muito. Europa, Japão, Estados Unidos... e ele não estava conseguindo conciliar a carreira no grupo com a presidência do Bloco.

Marcamos uma reunião em seu apartamento, na Vila da Penha, próximo ao Largo do Bicão. Bira nos recebeu com a simpatia de sempre, num apartamento aconchegante, cheio de lembranças de viagens e imagens de santos.

Bira é muito religioso. Católico, filho de uma mãe de santo, faz orações todos os dias em sua casa. Quando acorda e antes de dormir.

Tomamos umas cervejas - eu e a Irene, Bira é um boêmio que não bebe (exceto o cálice diário de Vinho do Porto) - lá pelas tantas, Bira já estava quase me convencendo a aceitar a empreitada.

Comecei a vislumbrar ali a possibilidade de ganhar uma grana com o negócio.

Afinal, o Cacique ficava lotado nos dias de roda de samba.

Foi quando o Bira decretou: só não vou te dar o bar.

É dali que sai o dinheiro para manter o Bloco.

Bom, restava a bilheteria, pensei.

Então, como se lê-se o meu pensamento, ele mandou:

Outra coisa, não quero que cobre ingresso. A roda de samba sempre foi grátis.

Eu olhei pra ele e disse: “Porra, Bira! Como é que eu vou ganhar dinheiro com esse negócio?

Rimos muito, os três.

Foi aí que eu entendi: o "Cacique de Ramos", não é um negócio. É uma missão.

Ediel Ribeiro (RJ)

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Ediel Ribeiro é carioca. Jornalista, cartunista e escritor. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) do romance "Sonhos são Azuis". É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG). Autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty" publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ) e Editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!". O autor mora atualmente no Rio de Janeiro, entre um bar e outro.

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