A entrevista começou assim:
Jaguar: E você, Nani, imitava quem?
Nani: Carlos Estevão, pegava da revista ‘O Cruzeiro’.
Jaguar: É verdade que o Carlos Estevão – até hoje não tive coragem de perguntar pra ninguém – se matou?
Nani: Não, não, acho que não.
Jaguar: Meteu uma carabina igual ao Hemingway.
Nani: Não, acho que não.
Jaguar: Me disseram que sim. Você acha que não? Você é mineiro.
Nani: Acho que não. Ele morou em Minas, era de Recife. Morou no final da vida lá em Belo Horizonte, publicava no ‘Estado de Minas’…
Diante da dúvida sobre a morte ou não do cartunista Carlos Estevão, levantada na entrevista que Jaguar deu para o jornalista Bruno Dorigatti e aos cartunistas Nani, Leonardo, Arnaldo Branco e Allan Sieber, publicada no site ‘Tribuna HQ’, eu, que era fã do Estevão, fui correr atrás das minhas fontes, para desvendar o mistério.
Carlos Estevão não era o ‘pai’ do Amigo da Onça. Era o ‘padrasto’. Com a morte do cartunista, Péricles, criador do personagem, Estevão, conterrâneo e amigo de Péricles, foi escalado para continuar desenhando o cartum na revista ‘O Cruzeiro’. Estevão desenhou o ‘Amigo da Onça’ até 1972, quando morreu, em Belo Horizonte.
Péricles, ‘o pai’, se matou na noite de 31 de dezembro de 1961, em seu apartamento, no Rio de Janeiro, abrindo o gás. Antes, fixou na porta um cartaz com o seguinte aviso: "não risquem fósforos".
A revista ‘O Cruzeiro’ foi o maior sucesso editorial da época, durou quase 50 anos. A primeira edição foi em 1928 e a última em 1975. Chegou a vender 750 mil exemplares. O humor fazia grande sucesso na revista. No começo, a revista trazia apenas charges ou ilustrações estrangeiras, só mais tarde passou a ter cartunistas brasileiros.
Millôr Fernandes estreou na seção humorística ‘Poste Escrito’ com apenas 14 anos. Na década de 1940, Millôr fez dupla com Péricles na seção ‘Pif-Paf’. Mas o maior sucesso foi ‘O Amigo da Onça’, lançado em 1943. O personagem rendeu brinquedos, enfeites, figurinhas, adesivos, artefatos natalinos e bonecos de açúcar. Foi o primeiro ‘case’ de marketing do desenho de humor nacional.
Carlos Estêvão de Souza nasceu em Recife, no dia 16 de Setembro de 1921, foi um chargista, ilustrador e caricaturista brasileiro. Filho de Estêvão Pires de Souza e Maria Salomé de Souza, descendentes de portugueses.
Quando menino, em Recife, todo mundo dizia que o menino desenhava bem. Estevão veio para o Rio nos anos 40. Primeiro, foi morar em Niterói, depois na Ilha do Governador. Durante anos publicou charge diária no "Diário da Noite", onde lançou um suplemento de humor, "A Fralda", onde colaboraram Fortuna, Roland e outros cobras. Saíram sete números. Estreou em 1946 no "Jornal das Moças", em seguida foi para "O Cruzeiro", como ilustrador das crônicas de Austregésilo de Athayde.
Autodidata, ingressou nos ‘Diários Associados’, em 1948, onde, com textos de Millôr Fernandes - que assinava Vão Gogo - desenha a tira do contador de histórias Ignorabus. Chegou a editar a revista do ‘Dr. Macarra’, que resistiu durante nove números.
No final dos anos 60, Estevão mudou-se para Belo Horizonte, onde colaborava no "Diário de Minas" e lecionava artes gráficas na Escola de Arquitetura de Minas Gerais. Boêmio, era frequentador dos bares do Edifício Maletta - local que serviu de QG de estudantes durante a Ditadura Militar. Era quase uma atração turística na noite da capital mineira. Podia ser encontrado no "Bucheco" - barzinho cheio de bossa, que tocava música de Bach e foi o primeiro bar a aceitar meninas em BH - bebendo e desenhando em toalhas.
Nunca pertenceu a nenhuma patota. “Realmente, nunca frequentei nenhuma panelinha. Procuro fazer um humor risível. Isto é importante para mim: que o humor seja risível. Não tenho pretensões intelectuais e não quero ser um Bernard Shaw brasileiro. Por exemplo: não gosto do tipo de humor do "Pasquim". O pessoal é excelente, conheço quase todos, são meus amigos. Mas eles fazem um humor muito agressivo, citam nomes…” - disse em entrevista publicada no ‘Diário da Tarde’, de 4 de março de 1972, pouco antes de sua morte.
Depois de Péricles, Carlos Estevão foi o melhor desenhista do Amigo da Onça. Após a morte do cartunista, houve várias tentativas de continuação do personagem, todas fracassaram.
O Amigo da Onça eternizou-se com a dupla.
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