Coluna

Caos político destrói o Rio

A Favela da Muzema, onde milicianos cobram R$ 200,00 de catadores de lixo, tem lagoa e rios como latrinas, sem saneamento. Foto Mário Moscatelli
A Favela da Muzema, onde milicianos cobram R$ 200,00 de catadores de lixo, tem lagoa e rios como latrinas, sem saneamento. (Foto: Mário Moscatelli) - 

- Marineth, o caos político no Rio de Janeiro, há décadas, vem destruindo o estado, e isso propicia o domínio cada vez maior das quadrilhas de milicianos e de narcotraficantes. As gangues duelam com armas de guerra pela supremacia do território, aprofundando a exploração da larga maioria da população nos serviços essenciais em todos os setores da sociedade. A construção irregular de prédios em áreas de proteção ambiental escancara o desafio ao poder público. O meio ambiente é degradado com fezes, urinas e excrementos industriais despejados nas lagoas e rios, que se tornam latrinas e canais de esgotos. A bagunça é total e, creia, talvez não exista um resto de esperança para livrar o povo do sufoco.

- Athaliba, o trem é doido, como ocê diz. Acompanho a situação desastrosa que denigre, ridiculariza o Rio no país e no exterior, através de noticiário de TVs e rádios. Algumas notícias, às vezes, são até cômicas, se não fossem trágicas. Os catadores de lixo nas comunidades de Rio das Pedras e da Muzema, na Zona Oeste - onde se localiza a Barra da Tijuca e o Recreio dos Bandeirantes - têm que pagar taxa mensal de R$ 200,00 à milícia. E os vendedores ambulantes de balas e amendoim nos sinais de trânsito também são taxados por milicianos a pagar propina por suas atividades alternativas de sobrevivência. Phorra, esse trem doido não descarrila? 

- Marineth, o Rio de Janeiro, que foi Estado da Guanabara até a fusão com o antigo Estado do Rio de Janeiro, através de decreto em 12 de julho de 1974, tem mais de 1.200 (mil e duzentas) favelas. Moradores das comunidades convivem na pobreza e não contam com serviços públicos essenciais. São reais expressões da desigualdade social. São milhões de pessoas entregues ao deus dará e, com a ausência total do poder público, as favelas tornaram-se territórios férteis para consolidação de narcotraficantes e milicianos. As quadrilhas exploram a população favelada com a venda extorsiva de botijão de gás, energia elétrica, água, internet, transporte alternativo, etc.

- Athaliba, a vida não vale nada no Rio de Janeiro, heim! Aliás, esse é o retrato conjuntural da realidade da população brasileira. Sobreviver no Brasil é uma aventura. Imagine que o Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro - NUPEM/UFRJ - tá participando de uma campanha de pobreza menstrual. O corpo social da unidade acadêmica - professores, alunos e técnico-administrativos - arrecada absorventes para mulheres em situação de vulnerabilidade. Relatório da ONU estima que uma em cada quatro mulheres no Brasil não dispõe de produto de uso íntimo para conter o fluxo de sangue durante a menstruação. São 25% das alunas por todo o país que perdem aulas no decorrer do ciclo menstrual.

- Marineth, alguns cariocas da gema, saudosistas ou não, vez por outra, alimentam a ideia de levantar a bandeira para o Rio de Janeiro voltar em ser a capital do Brasil. Acreditam que essa seja a alternativa real para recuperação plena do estado, destroçado, dilacerado por gestões de alguns ex-governadores, marcadas pela corrupção. Isso é um erro político. Pois o retrospecto da vida conjuntural carioca revela que foi a falta de uma concepção política efetivamente organizada que levou o Rio de Janeiro à bancarrota. E não o fato marcante e histórico da transferência para Brasília da capital da República.

- Athaliba, ocê não pode descartar essa possibilidade do Rio de Janeiro voltar a ser capital do Brasil. Tudo pode mudar com o Rio retomando o poder central de Distrito Federal.

- Marineth, isso é ilusão. Até o falso charme de Cidade Maravilhosa que se cultuou entre os anos de 1763 a 1960, sendo o Rio de Janeiro sede do Império, capital da República, escafedeu-se, ruiu como o Palácio Monroe. Em verdade o poder econômico é que sempre predominou no Rio, como no Brasil, ostensivamente colônia das corporações financeiras que exploram diversas nações no planeta. A população brasileira precisa, sim, forjar na luta uma derradeira referência de soberania para a pátria amada, estabelecendo o poder popular. Só assim será abolida a absurda desigualdade social. A riqueza do país não pode ser para uns poucos, enquanto muitos vivem à míngua. Ou então veremos “O dia em que o morro descer e não for carnaval”, musica do saudoso Wilson das Neves em parceria com Paulo César Pinheiro. Eis um trecho que diz o seguinte:

“O dia em que o morro descer e não for carnaval/Ninguém vai ficar pra assistir o desfile final/Na entrada rajada de fogos pra quem nunca viu/Vai ser de escopeta, metralha, granada e fuzil/No dia em que o morro descer e não for carnaval/Não vai nem dar tempo de ter o ensaio geral/E cada uma ala da escola será uma quadrilha”.

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

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