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Corpos da chacina insepultos

Moradores da Favela do Jacarezinho em protesto contra a chacina que matou 28 pessoas. Foto Antonio Lacerda
Moradores da Favela do Jacarezinho em protesto contra a chacina que matou 28 pessoas. Foto: Antonio Lacerda

Dez corpos das 28 pessoas mortas a tiros na chacina do Jacarezinho foram sepultados fim de semana: seis no sábado e, no Dia das Mães, comemorado no segundo domingo de maio, teve o sepultamento de outros quatro. Os demais estão no necrotério do Instituto Médico Legal - IML -, insepultos, e serão enterrados no decorrer desta semana. O enterro do policial André Leonardo de Mello Frias ocorreu na tarde de sexta-feira, no cemitério Jardim da Saudade, depois do cortejo de policiais de várias delegacias em viaturas policiais que saíram da Cidade da Polícia, próxima à Favela do Jacarezinho. O comboio fez o trajeto com as sirenes das viaturas ligadas, percorrendo longa extensão da Avenida Brasil, que interliga diversos bairros da Zona Norte.

À beira da sepultura, o secretário de Polícia Civil, delegado Allan Turnowski, fez discurso e elogiou a atitude dos policiais na ação denominada Exceptis. Disse que “a inteligência confirmou todos os mortos como traficantes, sendo que 19 com folhas corridas (passagem pela polícia) e a morte de André não foi em vão, não foi em vão”, recebendo muitos aplausos.

E atestando essa aprovação à chacina, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, do Partido Social Cristão (PSC), evadiu-se do pedido de entrevista coletiva da imprensa e preferiu manifestar sua opinião em vídeo, à noite da sexta-feira. Afirmou que “é preciso deixar claro que a operação realizada ontem pelo Polícia Civil foi o fiel cumprimento de dezenas de mandados de prisão. Foram 10 meses de investigação que revelaram a rotina de terror e humilhação que o tráfico impôs aos moradores. Crianças eram aliciadas e cooptadas para o crime. Famílias inteiras eram expulsas de suas casas e mortas”.

O total de mortos na chacina é de 28 pessoas, incluindo o policial, ao contrário do que a polícia divulgou inicialmente. E segundo apuração feita pelo Estadão no portal da Corte à noite de sábado, nenhuma ação penal consta em nome de nove da relação dos mortos. Algumas horas antes a polícia divulgou a lista dos mortos: Bruno Brasil, Caio da Silva Figueiredo, Carlos Ivan Avelino da Costa Junior, Cleyton da Silva Freitas de Lima, Diogo Barbosa Gomes, Evandro da Silva Santos, Francisco Fábio Dias Araújo Chaves, Guilherme de Aquino Simões, Isaac Pinheiro de Oliveira, John Jefferson Mendes Rufino da Silva, Jonas do Carmo Santos, Jonathan Araújo da Silva, Luiz Augusto Oliveira de Farias, Márcio da Silva Bezerra, Marlon Santana de Araújo, Matheus Gomes dos Santos, Maurício Ferreira da Silva, Natan Oliveira de Almeida, Omar Pereira da Silva, Pablo Araújo de Mello, Pedro Donato de Sant’ana, Ray Barreiros de Araújo, Richard Gabriel da Silva Ferreira, Rodrigo Paulo de Barros, Rômulo Oliveira Lúcio, Toni da Conceição, Wagner Luiz Magalhães Fagundes e o policial André Leonardo de Mello Frias.

Em nota pública contestando a ação policial, os deputados Carlos Minc e Rubens Bomtempo (PSB), Enfermeira Rejane (PCdoB), Waldeck Carneiro (PT) e Dani Monteiro, Eliomar Coelho, Flávio Serafini, Mônica Francisco e Renata Souza (PSOL) dizem que “exigimos, com firmeza, doa a quem doer, apurações imparciais, céleres e minudentes sobre a chacina do Jacarezinho. Exigimos, ainda, que seja instaurada investigação por órgãos independentes, bem como cobramos aqui, publicamente, as responsabilidades das autoridades constituídas, a começar pelo governador, agora efetivo, Cláudio Castro”. Citaram ainda que “a polícia fluminense insiste, há pelos menos três décadas, em ações que desprezam ou minimizam planejamento, inteligência e tática policial. Esse tem sido o eixo da ‘política de segurança’ do Rio de Janeiro desde aos anos 1980”.

Segundo Pablo Nunes, cientista político, coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, disse à BBC News Brasil, “só no Brasil o cumprimento de mandados de prisão termina com 28 mortos e ainda é chamado de operação policial”. Para ele, “essas operações não ocorrem nem em outros estados, mas, no Rio, acontecem com frequência e passam em branco; a Justiça não pune ninguém; a impunidade é uma certeza e alimenta o comportamento violento da polícia”. Finalizou afirmando que “as estruturas e comportamentos violentos da polícia nunca foram enfrentados de fato no Rio de Janeiro, eles se perpetuaram e ações como essa não são mais novidade”.

Representantes de entidades de defesa dos Direitos Humanos acompanharam moradores da Favela do Jacarezinho na manifestação em frente à Cidade da Polícia, na Avenida Dom Hélder Câmara, ex-Avenida Suburbana, na manhã de sexta-feira, dia seguinte à chacina. No ato, denunciaram a ação violenta e desproporcional dos policiais, acusados de matar pessoas à queima roupa. Cartazes com expressões como “Parem de nos matar”, “Justiça para Jacarezinho” e “Fim do massacre nas favelas” revelavam o desespero dos moradores com relação à ausência do poder público na favela. A mãe de um dos mortos, em prantos e que precisou ser amparada por alguns participantes do ato, dizia que “eles vieram para matar, eles iam se entregar, mas vieram para matar; eu quero meu filho”.

Em São Paulo, no sábado, também houve protesto contra a chacina junto do Museu de Arte de São Paulo - MASP -, com ocupação de parte da via de acesso que interrompeu o fluxo de carros. Depois, os manifestantes seguiram rumo à Praça do Ciclista. O protesto foi organizado pela Coalização Negra por Direitos, contando com a participação de mais de 200 instituições do movimento negro de todo o país. Trata-se da primeira manifestação organizada para o dia 13 de maio, data da abolição da escravatura, que aconteceu no ano de 1988. Os manifestaram pediram apuração independente dos assassinatos, reparação às famílias das vítimas, responsabilização das forças policiais e um plano de redução da violência e letadidade policial.

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