SÃO PAULO — O economista e pesquisador da Fiocruz Carlos Grabois Gadelha define de forma simples a situação do que chama de Complexo Industrial da Saúde no Brasil, isto é, a capacidade de o país produzir os equipamentos médicos que utiliza no sistema: “Estamos de pires na mão”. Em meio à crise do coronavírus, o país se viu dependente de importação de diversos produtos, muitos deles simples, como máscaras e luvas, além de respiradores. A solução do problema, afirma o especialista, passa por colocar a produção desses equipamentos no centro da política nacional de desenvolvimento.
A dependência do Brasil dos produtos da Saúde importados é um problema recente?
Não. Desde o início dos anos 2000, eu e outros especialistas propomos olhar para o sistema produtivo da Saúde como algo que deve ter centralidade na política de desenvolvimento.
Por quê?
O principal motivo para isso é muito simples: não temos condições de ter um sistema que viabilize o acesso universal, como é o SUS, com a dependência que o Brasil tem de equipamentos, produtos farmacêuticos e outros serviços de saúde. Para se ter uma ideia, apenas na área da saúde, saímos de um déficit de US$ 3 bilhões, há 20 anos, para um déficit de US$ 15 bilhões.
A pandemia acaba refletindo os efeitos práticos dessa conta, certo?
A crise atual confirma essa visão de modo estarrecedor. O Brasil não pode ter um sistema universal com uma fragilidade tecnológica tão intensa, é como se tivéssemos um sistema de saúde com pé de barro. Em outras palavras: nós não poderíamos ter um sistema universal de saúde para 200 milhões de pessoas, o maior do mundo, sem uma base produtiva e tecnológica que envolva indústria farmacêutica, equipamentos, serviço de saúde.
O que mudou do período em que o senhor esteve no Ministério da Saúde?
Por volta de 2007, houve um movimento importante no sentido de tentar solucionar isso, configurar uma política de Estado. Algo que passou por quatro ou cinco ministros de diferentes partidos. Houve a criação de um Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde que congregava 14 ministérios. Mas ele foi extinto no final de 2017. Depois foram extintos os departamentos do Complexo Industrial e da Coordenação de Equipamentos e Materiais. Todos esses instrumentos acabaram.
Alguns críticos irão dizer que o Brasil já investe bastante em saúde, quase 10% do PIB.
A saúde normalmente é vista como despesa, um fardo, mas essas afirmações são muito limitadas. Do meu ponto de vista, é o contrário. A saúde talvez seja uma grande frente de expansão para o Brasil. Ela gera, só no SUS, três milhões de empregos. A saúde é uma porta de entrada na revolução tecnológica.
O que chama atenção agora é a dependência por produtos e equipamentos simples?
Sim. Em um momento em que nosso sistema de saúde está se ampliando, atingindo cada vez mais setores da população, ele se torna perigosamente dependente de equipamentos e medicamentos fármacos vindos do exterior. A produção nacional de respiradores representa 40% da nossa demanda. Mas mesmo nessa produção, os componentes mais sofisticados são importados. Nosso grau de dependência é de cerca de 80% do mercado internacional. Mas não é só com ventiladores: estamos de pires na mão buscando equipamentos como luvas.
O país conseguiria competir com preços internacionais?
Muitos acreditam que se é mais barato comprar fora, vamos comprar fora. O problema dessa visão é que se fica num mercado muito imperfeito, dominado por poucas empresas e, quando a demanda explode, o Brasil perde o controle. É o que está acontecendo.
Mas a dependência de produtos chineses, por exemplo, é mundial, não?
Não adianta ter uma visão de curto prazo, quando tudo está bem. Tem que ter uma visão estratégica. Quando começamos a produzir insulina aqui, eles (China) derrubaram o preço para 1/3. Remédios para Aids, câncer, tudo isso. A China mostra, na verdade, que é possível fazer. Eles respondiam por 2% das nossas importações na área de saúde. Hoje, 16%. Já ultrapassaram os Estados Unidos. Nós temos a base industrial. Fragilizada, mas temos. Temos o SUS, milhares de estabelecimentos, mercado. Temos ciência e tecnologia.
Algumas instituições têm se destacado nessa crise , como a própria Fiocruz, e o Instituto Butantan, concorda?
Com certeza. Na área de vacinas, o Brasil está preparado. Mas é muito importante lembrar: a pesquisa de vacinação do Butantan foi questionada há poucos anos sob o argumento de que comprar de fora era mais barato.
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