“Posso até ser leviano, mas acho que metade não volta, hein. Não sei, acho que eles gostam do nosso estilo de vida.”
A declaração, estimados leitores e leitoras d’O Folho de Minas, é do vice-presidente da República eleito, Antônio Hamilton Martins Mourão. Foi feita a jornalistas ao comentar a saída de médicos cubanos do programa Mais Médicos, no dia 19/11, segunda-feira, após deixar a reunião da equipe de transição do governo, que terá posse em janeiro, no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília.
Afirmando que os profissionais cubanos que desejarem ficar no Brasil podem continuar trabalhando, arrematou sua opinião dizendo que “não sei quanto tempo vai levar para esses médicos saírem; vamos lembrar que para eles serem desdobrados onde estão tiveram o apoio das forças armadas, Eles estão espalhados por todo o Brasil, são mais de oito mil, não é dar um estalinho e todos eles vão se deslocar para um aeroporto e embarcar”.
Como todos vocês já sabem, o governo de Cuba decidiu pelo retorno dos médicos após o presidente eleito tentar intimidar aquele país, anunciando “a aplicação de teste de capacidade, salário integral aos profissionais cubanos, hoje maior parte destinada à ditadura, e a liberdade para trazerem suas famílias”.
A participação de mais de oito mil profissionais cubanos no programa Mais Médicos estava consagrada na cooperação do Brasil com a OPAS - Organização Pan-Americana da Saúde, organismo internacional de saúde pública com um século de experiência, dedicado a melhorar as condições de saúde dos países das Américas. E faz parte dos sistemas da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização das Nações Unidas (ONU).
É evidente que a questão de fundo da atitude do presidente e do vice-presidente eleitos foi orquestrada tentando agredir a soberania de Cuba. Soa, às pessoas minimamente organizadas, como declaração de guerra contra um país que realiza vocação humanista e de solidariedade, através de seus profissionais altamente qualificados.
Quando Mourão diz que “acho que eles gostam do nosso estilo de vida”, se referindo aos médicos cubanos, em clara chantagem de induzi-los a pedir asilo ao Brasil, podemos afirmar que isso é “fake”, falso.
Será que os cubanos de um modo geral apreciam nosso estilo de contabilizar 153 brasileiros mortos de forma violenta por dia, mais de meio milhão em 10 anos?
Será que o povo cubano admira rebeliões com mortes nos nossos presídios, com uma população de mais de 720 mil presidiários, com vários tipos de doenças?
Será que as mulheres cubanas têm inveja dos feminicídios no Brasil, país que registra a quinta maior taxa do mundo? Segundo a OMS - Organização Mundial da Saúde -, o número de assassinatos chega a 4,8 para cada 100 mulheres. De 1980 a 2013, 106.093 pessoas morreram por sua condição de ser mulher.
Será que pais cubanos ficam felizes com o Brasil ocupando a 107ª colocação no mapa dos países que registram mortalidade infantil, enquanto Cuba está na 33ª posição, numa relação total de 194 nações?
Será que os trabalhadores cubanos gostariam de viver a situação deplorável dos mais de 13 milhões de trabalhadores brasileiros desempregados?
Será que as famílias cubanas cobiçam o estilo de vida das famílias brasileiras sem-teto e de moradores de ruas, queimados, apedrejados e vítimas de outras formas de violência cometida até por agentes públicos?
Será que o povo alfabetizado de Cuba, onde boa parcela da população fala fluentemente até três idiomas, gostaria do estilo de vida dos milhões de analfabetos brasileiros, das condições precárias do nosso ensino?
Será que o povo cubano gostaria de ser acometido da síndrome do pânico e de depressão que afeta milhões de brasileiros, vítimas da total falta de segurança pública no país?
Estimados leitores e leitoras, numa comparação mais aprofundada (incluindo a questão do meio-ambiente, a desassistência e exploração aos indígenas, a falta de política pública na cultura, o alto índice de corrupção generalizada, etc, etc. etc.), por certo, o povo cubano não encontra atrativos melhores para trocar Cuba pelo Brasil. E é oportuno atinar que Cuba sofre ininterrupto bloqueio há mais de meio século encabeçado pelos EUA. Nem por isso sucumbiu.
Depois de morar em Cuba e, no meu retorno ao Brasil, quando diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro - SJPRJ -, recebemos uma delegação de jornalistas cubanos no RJ. E lembrei-me da preocupação, feita ainda em Havana, pelo jornalista Ernesto Vera Méndez, presidente de La Unión de Periodistas de Cuba, em relação à seguridad no Brasil. Isso foi o assunto que, então, três anos depois, inquietava os integrantes da delegação cubana, quando andávamos pelas ruas e avenidas do Centro do Rio de Janeiro. Situação complicada e difícil de explicar. Contamos com a sorte.
Portanto, com todo o respeito, resguardado o meu direito de cidadão de livre manifestação e responsabilidade profissional, poderia contrapor ao general Mourão chamando-o de gorila. Não faço porque seria desrespeito a uma das espécies do segmento dos primatas. E, também, porque ele poderia abusar do poder para retaliações, consubstanciada na prometida política do ódio e da intolerância como no tempo do regime civil militar de vigorou de 1964 a 1985 no Brasil.
Outro motivo, é que diviso no horizonte o total fracasso do governo que se instalará no país a partir de janeiro do ano que vem, por falta absoluta de experiência do presidente e do vice-presidente eleitos e da ausência de um projeto político. O Brasil, por isso, poderá ter agravado os seus múltiplos problemas e mergulhar no caos.
De relevante se pode extrair da declaração do general reformado Mourão a constatação da indiscutível importância dos “mais de oito mil médicos cubanos espalhados por todo o Brasil”, em lugares de extrema pobreza pelo interior e em favelas das grandes metrópoles.
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