MPF quer impugnar acordo firmado entre poder público e Samarco
Órgão diz que texto \\\'prioriza a proteção do patrimônio das empresas\\\'. Trato cria fundo de R$ 20 bilhões para recuperar a Rio Doce em 15 anos.
O Ministério Público Federal em Minas Gerais (MPF) questiona o acordo firmado nesta quarta-feira (2) entre representantes dos poderes públicos federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo com a mineradora Samarco. O órgão pretende impugnar o texto por considerar insuficiente o valor a ser pago pela empresa.
O trato cria um fundo de R$ 20 bilhões para recuperar a Bacia do Rio Doce em 15 anos. A previsão é que, só entre 2016 e 2018, a mineradora aplique no fundo R$ 4,4 bilhões. O ato de assinatura do acordo, no Palácio do Planalto, foi acompanhado pela presidente Dilma Rousseff.entre União, Estados de MG e ES, Samarco, Vale e BHB Billiton.
Mas segundo o MPF, o acordo “prioriza a proteção do patrimônio das empresas em detrimento da proteção das populações afetadas e do meio ambiente”.
O coordenador da força-tarefa criada pelo órgão para apurar o desastre ambiental em Mariana, na Região Central de Minas Gerais, e procurador da república de Minas Gerais, José Adércio Leite Sampaio, “o acordo é tão genérico que nós podemos dizer que ele se mostra hoje muito mais como uma carta de intenção do que como um acordo com caráter jurídico. Ora, como é que nós podemos extrair de um acordo tão genérico uma obrigação jurídica de um valor específico e de uma obrigação de recuperação ambiental e de proteção dos direitos da vítima”.
A Samarco, cujos controladores são a Vale e a anglo-australiana BHP, é a responsável pela barragem que se rompeu em Mariana (MG) no fim do ano passado e deixou mortos e desabrigados. A lama gerada pelo rompimento atravessou o Rio Doce e chegou ao mar do Espírito Santo. No percurso do rio, cidades tiveram de cortar o abastecimento de água para a população em razão dos dejetos.
Para o procurador Eduardo Aguiar, que também faz parte da força-tarefa, a legislação ambiental brasileira é moderna e capaz de tratar do caso. “O Ministério Público Federal não concorda com o tempo e com o a forma como esse acordo foi costurado. A legislação ambiental é muito evoluída neste sentido, priorizando a questão técnica e não financeira das empresas envolvidas”.
O MPF ainda afirma que as populações atingidas não foram ouvidas durante o processo. O acordo prevê a conclusão de projetos de recuperação da Região do Rio Doce em 15 anos, prazo considerado longo pelo órgão.
“O acordo desconsidera a garantia de responsabilidade solidária do próprio poder público para a reparação do dano, não tendo sido nem sequer estabelecidos mecanismos jurídicos capazes de garantir a efetividade do cumprimento das obrigações assumidas pelas empresas, o que transformou o ajustamento em algo próximo de uma carta de intenções”
A Força-Tarefa esclarece, ainda, que a assinatura do acordo não extingue as demais ações judiciais movidas pelo MPF em Minas Gerais e no Espírito Santo.
O diretor-presidente da Samarco, Roberto Carvalho, que assumiu o cargo depois do afastamento de Ricardo Vescovi, indiciado pelas polícias civil e federal, disse que “a Samarco tem um grande compromisso com as pessoas e o meio ambiente impactados e dará apoio integral à fundação e à implantação dos programas em todas as frentes de trabalho”.
O diretor-presidente da Vale, Murilo Ferreira, disse que “este dia é um marco para todos os envolvidos, uma vez que um acordo é sempre melhor do que uma disputa judicial”.
Para o CEO da BHP Billiton, Andrew Mackenzie, “este acordo demonstra que estamos verdadeiramente empenhados em remediar completamente os danos causados e contribuir para uma melhoria duradoura do Rio Doce”.
Durante a cerimônia de assinatura do acordo, a presidente Dilma Rousseff afirmou que serão tomados dois tipos de medidas. "De um lado, há medidas de curto prazo para reparação dos danos a pessoas e à restauração da vida da população atingida que não pode esperar. De outro, daremos início à execução de medidas de médio e longo prazos assumidas com obrigações para completa recuperação social, econômica e ambiental das regiões atingidas."
A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, disse que os resultados serão alcançados independente dos governos e declarou que a sociedade vai fiscalizar o processo.
Veja os principais pontos do acordo:
– Reparação integral das condições socioeconômicas e do meio ambiente afetados, sem limites financeiros até a integral reparação;
– Horizonte de 15 anos para recuperação. A cada três anos, todos os programa serão avaliados para readequar metas e compromissos;
– Os recursos doados pelas empresas para 2016-2018 será de R$ 4,4 bilhões de reais, como aporte incial, que será ampliado conforme a necessidade;
– Após 2018, a previsão é de aporte anual de R$ 1,2 bilhão, podendo chegar a R$ 20 bilhões concluído o período;
– Medidas de compensação aos pescadores, produtores, povos indígenas, povos tradicionais, bem como para estimular a retomada de atividades econômicas;
– Recursos para que municípios possam fazer obras de saneamento básico, interrompendo processo de contaminação do rio pelo esgoto;
– Garantir que todos os envolvidos, incluindo comunidades e movimentos sociais, participem da definição, acompanhemento e desenvolvimento de todas as ações;
– As ações serão executadas pela iniciativa privada, mas fiscalizadas pelos estados.
– Com o acordo, a ação civil que tramita sobre o caso entra na fase de implementação e fiscalização.
O que continua pendente:
– O acordo não trata da volta do funcionamento da Samarco, que teve a licença ambiental suspensa;
– A responsabilidade pelos danos também é apurada nas esferas penal e administrativa;
– O Ministério Público ainda deve se pronunciar sobre o pedido de prisão de 7 pessoas, que podem responder por homicídio qualificado por dolo eventual;
– Ainda não foram definidas indenizações para todos os afetados pelo rompimento da barragem. Houve uma antecipação (R$ 100 mil) para vítimas de Mariana;
Orçamento do fundo
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, o fundo criado a partir do acordo prevê R$ 20 bilhões em recursos, valor que pode variar. Deverão ser alocados pela mineradora R$ 2 bilhões em 2016; R$ 1,2 bilhão, em 2017; e R$ 1,2 bilhão, em 2018. De 2019 a 2021, o valor a ser investido poderá variar de R$ 800 milhões a R$ 1,6 bilhão.
A partir de 2022, os valores só serão definidos conforme o desenvolvimento dos projetos a serem implementados. Além disso, ao longo dos 15 anos de vigência do acordo, deverão ser investidos R$ 240 milhões a mais a cada ano para medidas compensatórias, como saneamento.
O acordo assinado nesta quarta em Brasília vinha sendo negociado entre os poderes públicos federal e estadual e a Samarco desde o ano passado. Assinaramo documento: Luís Adams (advogado-geral da União), Izabella Teixeria (ministra do Meio Ambiente), Fernando Pimentel (governador de MG), Onofre Alves (advogado-geral de MG), Paulo Hartung (governador do ES), Rodrigo Rabello (procurador-geral do ES), Roberto Nunes (diretor-presidente da Samarco), Murilo Ferreira (diretor-presidente da Vale), Jim (diretor comercial global da BHP) e Flávio Bocaiúvas (diretor de projetos Brasil da BHP).
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