Coluna

“Bando de ladrão fdp”

- O título da crônica, Marineth, é contrafacção da frase do narcotraficante Leonardo Serro dos Santos, o Jonny, também apelidado Carioca. Em ato de “indignação” (sinalizada com aspas para percepção do feeling da expressão), ele se rebelou ao assistir em telejornal um delegado de polícia divulgar a apreensão de 280 kg de cocaína, parte de um total de 500 kg de cocaína pura, que lhe pertencia. Em mensagem a comparsas bradou: “Roubaram 220 kg. Bando de ladrão fdp”.

- Athaliba, que trem doido é esse? Onde isso aconteceu?

Grupo de policiais civis surrupiaram e venderam 280 kg de cocaína de um total de 500 kg apreendidos., no Rio de Janeiro. Divulgação. - 

- Marineth, isso aconteceu em 2020, no Rio de Janeiro. Foi descoberto por agentes da Polícia Federal, que recentemente divulgou o fato. Foram aprendidos 500 kg de cocaína num caminhão, por policiais civis. A droga estava acondicionada em 16 malas, com 203 tabletes de cocaína. Tinha como destino a Itália. O carregamento seria despachado em contêineres, no Porto do Rio, como de hábito. Isso de acordo com o plano infalível, estratégico do traficante Jonny.

- Quem colocou a “pedra no meio do caminho” (parodiando Carlos Drummond de Andrade) no esquema mirabolante e costumas do narcotraficante, Athaliba?

- Tenho dúvidas, Marineth, sobre se o carregamento da droga foi alcaguetado ou não. Fato é que policiais civis interceptaram o caminhão, com os 500 kg de cocaína. Aí, o delegado Renato dos Santos Mariano, ao dar visibilidade à ação (não ‘operação policial’, phorra, como a imprensa rotula), no combate ao tráfico de drogas, disse no telejornal ter apreendido 280 kg de cocaína.

- Imagino o quanto o traficante ficou phuto. O delegado foi preso pelo crime, Athaliba?

- Sim, Marineth. Tá em prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica numa das pernas. O equipamento é utilizado pela justiça para monitorar pessoas processadas criminalmente ou que cumpre pena. E, assim como ele, os policiais Ricardo Mendes Floriano da Silva, Hugo de Novaes Almeida e Cláudio José Silveira. Também a justiça bloqueou R$ 5 milhões do grupo. O valor seria correspondente à venda da cocaína feita pelos policiais para outro grupo de narcotraficantes.

- Explica isso, Athaliba.

- Além do bloqueio bancário daquela quantia, Marineth, os policiais tiveram a apreensão de duas motocicletas, três carros, telefones celulares, documentos e R$ 70 mil (em papel bordado) em espécie.

- Conta, Athaliba, como deu errado o golpe que os policiais tentaram aplicar no traficante.

- À época da apreensão da cocaína, policiais que escoltavam o caminhão não perceberam que o veículo estava sendo acompanhado por um “batedor” do traficante, numa motocicleta. E ele narrou toda a tramoia dos policiais para o Jonny, que há tempos estava nos radares da Polícia Federal. Mas, ele continua foragido, praticando a lucrativa atividade do tráfico de drogas.

- Aí deu ruim para os policiais, né, Athaliba?

- Sim, Marineth. Agentes da PF interceptaram mensagem do narcotraficante chamando os policiais de ladrões. Isso aconteceu logo após o delegado Renato dar entrevista à TV dizendo que tinha apreendido apenas 280 kg dos 500 kg de cocaína. A íntegra da mensagem de Jonny é a seguinte: “Roubaram 220. Bando de ladrão fdp. Mas eles não sabem com quem estão brincando. Já estão vindo advs (advogados) para o RJ”.

- Athaliba, o Rio de Janeiro tem salvação? Pode ser resgatado do caos no fundo do poço?

- Marineth, o Rio parece terra arrasada, sem ordem e sem lei. O princípio do poder da autoridade escafedeu-se nos diversos crimes de corrupção nos quais seis governadores, em sequência, respondem a processos na justiça. Cinco deles foram presos e apenas Wilson Witzel não foi detido. Sofreu impeachment. Os outros são Wellington Moreira Franco, Rosângela Barros Assed Matheus de Oliveira, apelidada Rosinha Garotinho; Anthony Wiliam Matheus de Oliveira, vulgo Garotinho; Sérgio de Oliveira Cabral Santos Filho e Luiz Fernando de Souza, o Pezão.

- Athaliba, a ditadura empresarial-militar (1964-1985) contribuiu para forjar os corruptos que avassalam o Rio de Janeiro, dividido entre muitos pobres e poucos ricos. Aliás, esse é o perfil do Brasil. A saída para essa situação catastrófica, flagelante, calamitosa, é o poder popular!

- Marineth, ocê tem razão. A mensagem de indignação do traficante que teve parte dos 500 kg de cocaína surrupiada e vendida pelos policiais é cômica, se não fosse trágica. A forma como verbalizou “bando de ladrão fdp” me fez rir muito. Fez-me lembrar do delinquente Lúcio Flávio Vilar Lírio que sentenciou: “bandido é bandido; polícia é polícia”. No Rio, porém, é tudo misturado!

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

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