Coluna

O FEITIÇO DO DESEJO

Foto: Artem Maltsev on Unsplash

Por onde anda quando estamos sozinhos e solitários esse objeto que nomeamos desejo. De onde ele vem quando os olhos brilham, e dentro da gente um fogo começa a acender, e o mundo se cobre de colorido ou de vontades inconfessáveis, pelo menos os ouvidos para os quais não estão as vontades reservadas.

Que estranho feitiço nos desvia o olhar ou o pensamento diante de uma vitrine, que disfarçamos para poder admirar na rua, do outro lado, como um voyeur clandestino e enamorado, com os olhares baços, quase cerrados, um objeto de desejo que se desnuda, inocentemente, em nosso imaginário.

Que estranho feitiço é esse que faz a nossa imaginação trabalhar célere, e num abrir e fechar de olhos consegue adivinhar por inteiro, somente no andar de alguém passando diante da gente, todos os traços e contornos do corpo.

É um feitiço, um arranjo, um objeto de desejo coberto colorido, atraente, ou, que mais não seja, apenas o próprio arranjo corporal que vai andando pelas ruas, e, mesmo que esteja se amontoando entre tantos e tantas, vai se sobressaindo, e o nosso olhar apenas acompanha.

Ou é um fetiche, esse estranho objeto que nos atrai sem que saibamos por quê. Pode ser um cabelo de outro jeito arranjado, um corte perfeito, um perfume que não se sentiu em outro ou outra, ou mesmo no sorrir desleixado, imaginando cá, entre os desejos, que imaginamos ter sido para nós lançado.

O desejo e seu feitiço não tem dono, muitas vezes grita desesperado nas grades que nossa censura o condena. Reprimimos, nos guardamos, e o escondemos debaixo de uma vergonha ou uma timidez que nos atormenta.

Desejos são feitiços que caem sobre nós como a nuvem ingênua que derrama a chuva intensa. Pode estar onde não imaginamos, e nos colocam em lugares estranhos, e finalmente desabrocham em locais isolados, entre dois, entre duas, entre aqueles que se intermediam na loucura.

Feitiços os lançamos aos montes para satisfazer os desejos, e em fetiches nos guardamos, estrategicamente, para no caminhar silencioso da serpente, ondulamos, desconversamos e tocamos, levemente, como se a mágica pudesse sair de nossos dedos e envenenar, docemente, o fetiche que queremos.

Nilson Lattari

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Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

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