Coluna

NUNCA FUI CENSURADO

Rio – Sou viciado em jornal.

Jornal. Isso mesmo. Jornal de papel. 

Como as coisas estão caminhando, prevejo que daqui há alguns anos, a professora, se valendo de um computador, vai precisar explicar para as crianças o que foi o jornal de papel.

Algum tempo atrás, eu lia de três a quatro jornais todos os dias. Hoje, leio um. Quando leio. Acho que na banca em frente a minha casa nem tem mais quatro títulos à venda. Não os que eu lia diariamente: Jornal do Brasil, O Globo, Folha de São Paulo e Última Hora.

Dos quatro, ainda sobrevivem O Globo e a Folha de São Paulo. Mas não são nem sombra do que foram antes.

Daquele tempo, ainda continuo com a mania de guardar, principalmente os Cadernos de Cultura, para ler ou reler depois. 

Ontem, relendo alguns deles, dei de cara com uma manchete no Caderno Mundo da Folha de São Paulo, de 2019: ‘Nunca fui censurado’,  diz britânico autor de cartuns em Hong Kong. 

É a história de Harry Harrison, cartunista britânico que publica há 25 anos no principal jornal de língua inglesa de Hong Kong, o “South China Morning Post”.

Por se tratar de um país com severas restrições impostas pelo governo, me interessei em conhecer a história do cartunista.

“Não sou uma celebridade. Celebridade são os cartunistas chineses que trabalham aqui. Eu posso pegar o avião a qualquer momento e ir embora. Eles, não.”

A frase é do mais festejado autor de cartuns políticos de Hong Kong. 

Divulgação

Dono de um traço que remete à sua maior influência, o britânico Ronald Searle (1920-2011), Harry diz que não sofre pressão, mas tem seus próprios métodos de autocensura. “Mando sempre três cartuns para a redação. Um bem ‘hadcore’ que sei que não vai ser publicado. Outro intermediário, que costuma passar, e um cartum ‘kitten’ (gatinho em inglês), fofinho, peludinho e inócuo. O problema é que, às vezes,  escolhem o ‘kitten’, ri o cartunista. 

Lembrei da época da Ditadura Militar, no Brasil, quando os cartunistas do “Pasquim” tinham que fazer até três jornais por edição para que um fosse aprovado.

“Eu recebo um resumo das notícias do dia lá pelas 17h, envio os cartuns até as 19h. A editora escolhe o cartum que será publicado e o desenho final pode ir até o fechamento, às 23h30. Às vezes, faço em 20 minutos. Quando surge uma crise de criatividade, abro uma cerveja e toco meu uquelele (uma espécie de cavaquinho) até ter a idéia”, diz.

A música é a segunda paixão do cartunista: toca guitarra e violão numa banda que montou com amigos, a ‘Midlife Crisis Cowboys - caubóis da crise da meia-idade.

Harry tem 60 anos. Quem quiser conhecer melhor o trabalho do cartunista é só dar um ‘google’. 

Vale a pena.

Ediel Ribeiro (RJ)

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Coluna do Ediel

Ediel Ribeiro é carioca. Jornalista, cartunista e escritor. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) do romance "Sonhos são Azuis". É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG). Autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty" publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ) e Editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!". O autor mora atualmente no Rio de Janeiro, entre um bar e outro.

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