Coluna

O PERÚ DE MARCELO LARTIGUE

Seis anos sem o jornal buziano

Rio - “Um jornal cego, surdo e mudo.” Tava escrito na porta da redação de “O Perú Molhado''. 

Foi o que mais chamou minha atenção quando entrei pela primeira vez, no verão de 1988, na redação do jornal satírico que circulou bravamente por quase 35 anos, em Búzios. 

Naquele ano, fui apresentado à irreverência de "O Perú Molhado - O Maior Jornal do Mundo". Um pasquim local fundado e editado desde 1981 pelos jornalistas Marcelo Lartigue e Aníbal Fernando, que exibia as criativas capas criadas pelos meus amigos cartunistas, Ykenga e Jaguar.

marcelo lartigue
Marcelo Lartigue / Reprodução. 

Lartigue, o polêmico editor-chefe do jornal era um sujeito baixo, gordo e barbudo. Uma figura tão engraçada e irreverente como sua personalidade.

Marcelo Sebastian Lartigue, nasceu em 1952, na cidade de Buenos Aires. Foi correspondente internacional de jornais franceses e do jornal argentino “La Semana”.

Em 1974, com 22 anos, entrou para a Faculdade de Arquitetura da Argentina. Preso por militância política anti-governo de Isabelita Perón, foi condenado como terrorista a dois anos e cinco meses de prisão, cumpridos no presídio de La Plata.

Ao sair da prisão, começou a trabalhar como repórter fotográfico da Editora Atlântica, pela qual foi credenciado para a cobertura da Copa do Mundo de Futebol, na Argentina (1978). Temendo a perseguição do governo de Jorge Videla aos jornalistas, achou mais prudente vir para o Brasil. Ao desembarcar no Rio de Janeiro, conseguiu uma vaga para morar em Santa Teresa. 

A irreverência e a descontração dos brasileiros encantou o argentino, que se mudou para Búzios, onde abriu uma loja de fotos e quadros com  o jornalista português Aníbal Fernando, que conheceu na “Folha de São Paulo''.

Um dia, a chilena Mirna Cordeiro, amiga e cliente da loja, propôs aos amigos abrir um jornal depois que voltasse de uma viagem ao seu país.

O Perú Molhado
Perú Molhado - Capa - Arte: Ykenga. 

Alguns tempo depois, mesmo sem a chilena, os dois lançaram, - com diagramação feita pelo desenhista Flávio Faps que criou, também, a logomarca do jornal, a figura de um peru debulhando-se em lágrimas - em 23 de fevereiro de 1981, o jornal ‘‘O Perú Molhado’’

Esta primeira edição foi a única em que a palavra “Peru” foi escrita sem o acento. Quanto ao nome, tanto Marcelo quanto Aníbal não sabem precisar a origem. Existem muitas especulações das razões e significados do nome do jornal. No entanto, conforme afirmava o próprio Marcelo Lartigue, "todas as teorias são mentirosas".

No início, ‘‘O Perú Molhado’’ saía quando podia, e esse era seu slogan. Com o tempo, passou a ser mensal, quinzenal e, finalmente, semanal. 

O periódico saia com tiragem semanal de 10 mil exemplares e era distribuído nas principais bancas do Rio de Janeiro, Cabo Frio, Búzios, Macaé e Rio das Ostras.

Dedicado ao humor, o jornal também começou a abordar assuntos sérios, de interesse da cidade: virou o principal fórum das discussões da sociedade sobre o processo emancipatório de Búzios.

Com apenas oito páginas, e manchetes em português e espanhol, “O Perú Molhado” número um tinha como manchetes: "Búzios tendrá seu metrô" e "Maradona en River", eram provocações que já mostrava a que vinha “O Perú Molhado".

Em 2008, o semanário recebeu o prêmio de maior jornal impresso do mundo, dado pelo Guinness. Na ocasião, o jornalista havia publicado uma edição de 16 páginas coloridas medindo 3,4m x 2,7m, a maior cópia de um jornal impresso, batendo o inglês “The Sun”, que detinha o recorde anterior.

Eu era fã do jornaleco. Sonhava fazer uma das memoráveis capas, mas Lartigue morreu antes e  "O Perú Molhado" morreu com ele. A última edição circulou, ironicamente, no dia 1 de abril de 2015.

Lartigue morreu no dia 2 de setembro de 2014, no Hospital Silvestre, no Rio, onde se submeteu a um transplante de fígado. Lartigue sofreu duas paradas cardíacas e não resistiu.

Casado, deixou uma filha.

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