Coluna

ALDIR BLANC, 75 ANOS

Rio de Janeiro - Ninguém falou, escreveu e cantou tanto o Rio de Janeiro como ele.

Se vivo fosse, Aldir Blanc teria completado, nesta segunda-feira, 2 de setembro, 75 anos.

Já escrevi muito sobre ele, aqui n’ O Folha de Minas. E, para não ser repetitivo, hoje - comemorando seu aniversário - vou reproduzir aqui um texto de sua autoria que encontrei num livrinho chamado “O Melhor da Crônica Brasileira - vol.2”

O livro, editado pela José Olympio Editora tem ilustrações do Mariano e do Guidacci, entre outras. A ilustra dessa crônica é do Manga.

Aldir Blanc
Ilustração: Manga

MEDALHA CARIOCA
por Aldir Blanc

Verão. Entre as cortinas amarfanhadas da camisa aberta no peito cabeludo, São Jorge e o dragão representam. Meio sem saco. Estão cansados. O suor escorre sobre eles. Atrapalhado por moita de pêlos, entre crateras de cravos espremidos, o cavalo empina, aborrecido:

- Suvaco mais brabo que o teu bafo, dragão.

Visivelmente necessitado de um dentista, o dragão sorri. É mineiro, natural de Vira-e-Casaca-do-Fundo:

- Uai. Tá pensano que a vida são os estábulos do Figueiredo?

Jorge chama a atenção do bichano:

- Ô “calor-que-provoca-arrepio”, para de filosofar e vamo a luta. Vou acabar tendo que aceitar a proposta daquele empresário de catch.

O dragão suspira e, sem querer, incendeia um chato que pretendia ser cantor de reggae. Mais um. Quer dizer, menos um. 

- Que fim levou a princesa, Jorge?

- Vão para com a intimidade. São Jorge. Nem a princesa me chamava só pelo primeiro nome.

- Cumé que ela chamava ocê?

- Rói.

- Rói Roger?

- Não. Rói-Couro. Ela era paraibana.

- Por que qui ela, depois de meter a gente nessa confusão, não aparece na medalha?

- Foi coisa do Vaticano. Um cardeal - gaúcho, eu acho - falou: ou ela ou eu. Acabaram saindo os dois.

- Parecido com o racha no PC.

- Ela foi trabalhar com a troupe dos irmãos Marinho, em suas viagens à procura de prêmios.

- Ocê quer dizer Irmãs Marinho.

- Não, essa era outra companhia. Grandes bailarinas. Me lembro. Mas a Princesa foi trabalhar na equipe dos Irmãos Marinho, os famosos caçadores de prêmios internacionais.

O dragão suspira novamente e taca fogo em Martinha, a pulga assessora da Funterj.

- Olha o que você fez, seu cavalo!

- Cavalo é ele. Eu sou o dragão.

- Coitada da Martinha. Pulava fora como ninguém, no entanto…

- A gente diz que ela se matou em solidariedade ao…

- Tu mostra bem que é uma cavalgadura desinformada, hein, ô Silver da Baixada Fluminense?

- Não esporeia, Jorge. Monta mas não esporeia.

- Mas tu precisa se atualizar. Não se diz mais que alguém se matou de araque, assim sem mais nem menos…

- Ahn…

- Tamos na abertura. É preciso apurar as responsabilidades. Doa a quem doer. Se o dragão é culpado…

- Epa, tô quase na aposentadoria e não vou pro sacrifício sozinho…

São Jorge tirou um fiapo de bacalhau da cárie com a ponta da lança:

- Calma, bicho. Tu é primário, responde em liberdade. A gente diz que foi por amor. Dá absolvição numa boa.

- Bem que a minha véia queria que eu tivesse uma casa de fazenda… E se a grande imprensa fizer barulho?

- A gente envolve a Princesa. Ela é amiga dos home...

O cavalo relincha de contentamento:

- Vamo acabar todo mundo na Suíça, longe desse calor.

São Jorge tira o capacete onde se lê a palavra Malboro:

- Vai ficar famoso, hein, seu lança-chamas de tabascada… Tá

feliz?

- Só vou me sentir realizado quando conceder entrevista pro Fantástico. A véia vai derramar os torresmo.

Cigarra na árvore em frente:

- Esse país tá cheio de sujeitos “queijo-de-macarrão”.

Formiga carregando folha:

- “Queijo-de-macarrão”?

- É. Aderindo em massa.

Verão.

Ediel Ribeiro (RJ)

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Coluna do Ediel

Ediel Ribeiro é carioca. Jornalista, cartunista e escritor. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) do romance "Sonhos são Azuis". É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG). Autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty" publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ) e Editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!". O autor mora atualmente no Rio de Janeiro, entre um bar e outro.

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