Rio de Janeiro - Descobri Guz, assim como ele se descobriu cartunista: por acaso.
Guz, que inteiro é Paulo Cangussu Cordeiro, foi engenheiro até que, numa crise existencial, até hoje nunca explicada, resolveu trocar o traço reto e técnico pelas linhas tortas das charges, cartuns e caricaturas.
Mineiro de Salinas, cidade próxima a Belo Horizonte, ainda jovem se transferiu para a capital, uma antiga paixão.
Apaixonou-se pelo desenho, quando, ainda criança, na cidade natal, seu irmão chegou da escola com uma caixa de lápis de cor e um caderno com um desenho de uma maçã.
Guz viu surgir ali a possibilidade de criar um mundo à parte, um mundo novo e lúdico, cheio de criatividade e sonhos que tornariam ilimitadas as fantasias de uma criança que devido a um problema congênito nas pernas era impossibilitado de jogar bola, soltar pipa ou correr na rua como qualquer criança.
Aos 14 anos, o menino descobriu a Biblioteca Pública da cidade. Lá, teve seus primeiros contatos com a poesia do espanhol Federico García Lorca - com quem aprendeu a apreciar o gênero literário. "As poesias dele eram tão musicais que eu gostava de lê-las em voz alta" - e com os cartunistas profissionais, através da revista “O Cruzeiro”, principal periódico brasileiro ilustrado do século 20.
Fã do escritor e cartunista Millôr Fernandes, foi na revista “Pif Paf”, criada pelo “Guru do Méier”, depois que saiu da “O Cruzeiro”, que Guz viu a possibilidade de criar seus primeiros cartuns.
A “Pif Paf', na edição de número 5 lançou o primeiro concurso de humor do Brasil, em que pagava 500 contos por uma piada.
“Fiquei pensando e fiz uma piada que chamei de ‘As 1001 utilidades do pé’. Era uma brincadeira simples, mas que tinha o truque do humor; dizia, por exemplo, que o pé esquerdo servia de horóscopo e a última coisa era a utilidade de andar. Foi aí que comecei a entender como fazer humor e fazer charges", disse.
Ainda na Faculdade de Engenharia, em 1964, foi pego pelo representante do Diretório Acadêmico desenhando um panfleto para uma campanha contra a Ditadura Militar. Não deu outra. Acabava ali a carreira de engenheiro e começava a de cartunista e ativista político.
"Acabei me envolvendo muito com o movimento, tanto desenhando quanto lutando. Cheguei a ser eleito na União Estadual dos Estudantes e entrei em um processo de ‘esquizofrenia consentida', eu era duas pessoas ao mesmo tempo: um lado chargista e o outro militante político", conta.
Depois de abandonar a Engenharia, Guz passou a viver do desenho de humor. Passou por crises existenciais e governamentais; participou de movimentos sociais, estudantis e enfrentou a Ditadura Militar, chegando a ser preso.
"Tem uma frase do Rabindranath Tagore que é bastante emblemática para mim: ‘Nós nascemos duas vezes, a primeira é de nossas mães e a segunda é de nós mesmos'. Mudar de profissão significou esse renascer de mim mesmo. Eu era engenheiro e virei cartunista assumido, era Paulo e virei Guz”, disse.
Com o fim da fase comunista, Guz passou a dedicar-se mais ao desenho. Como profissional do traço, teve trabalhos publicados na revista “O Cruzeiro”, “Pif Paf”, “Fair-Play”, “Senhor” e nos tablóides cariocas “Bafafá” e “O Pasquim”.
Em uma parceria com o também cartunista Nilson Azevedo, participou da seção “O Centavo”, da revista “O Cruzeiro”, onde publicavam charges políticas e cartuns sobre assuntos variados.
Em 1969, o destino conspirou a favor do jovem cartunista.
"Como Henfil era hemofílico e sempre tinha crises, um dia não conseguiu desenhar de tanta dor, foi quando descobriram um material que eu havia lhe encaminhado. Era um personagem que criei, e acabaram publicando em uma página inteira, era o número 13 do ‘O Pasquim’ e muitas pessoas ficaram sem entender quem era aquele cara de Belo Horizonte no lugar do Henfil”, conta.
Com mais de 70 anos de estrada, Guz permanece com o espírito jovem, cheio de criatividade, esbanjando conhecimento, sabedoria e poesia. Escrevendo e desenhando certo por linhas tortas.
Comentários