Um dia, conversando com Jaguar, ele me falou sobre um caricaturista chileno que morava em São Paulo.
Disse que o artista, chamado Gonzalo Cárcamo, veio parar no Brasil aos 16 anos, fugindo do regime de Pinochet e estava de malas prontas para voltar ao Chile porque não conseguia emprego por aqui.
“Uma puta sacanagem”, disse ele.
Escrevi para ele. É, naquela época - pasmem - as pessoas escreviam cartas! Era 1986, tempos de pré-internet. Eu estava editando um jornal de humor chamado “Cartoon”, e ofereci a ele espaço no jornaleco para ele publicar seu trabalho.
Alguns dias depois, ele me respondeu. Me enviou uma carta muito bonita e generosa, escrita à lápis. Elogiou a iniciativa de criarmos um jornal de humor e enviou diversas caricaturas, que publiquei em duas páginas, na edição de número 4.
Gonzalo Ivar Cárcamo Luna, ou simplesmente Cárcamo, nasceu em 8 de fevereiro de 1954, na zona rural, próximo a Los Angeles, uma pequena cidade ao Sul do Chile.
Filho de um rude camponês e de uma dona de casa sensível e doce; apreciadora de artes e leitora de livros. Cárcamo deu os primeiros passos numa casa humilde, mas cheia de quadros nas paredes pintados pela tia Tetey.
Em casa, a tia pintora assinava a Seleções Resder´s Digest que trazia estampada na capa lindas aquarelas. Com modestos recursos técnicos ele as copiava. O esforço era imenso.
Em 1974, iniciou o curso de arquitetura na Universidade Técnica Del Estado, no Chile, mas, apaixonado pelo traço de Oscar Niemeyer, em 1976 decide concluir o curso de arquitetura no Brasil.
“No Chile há excelentes cartunistas como Palomo e Guillo, mas, com a ditadura militar, não havia como viver de desenho de humor por lá. As ditaduras não têm boa relação com a arte e muito menos com a democracia", afirmava.
Em São Paulo, iniciou a carreira de caricaturista publicando no jornal “Bagatela”, uma espécie de pasquim, publicado por dois amigos e encartado no jornal “Diário do Grande ABC”, em Santo André.
Em seguida, viaja para a Espanha para estudar pintura. Lá, colaborou com o jornal “El País” , levado por Cássio Loredano, que conhecera no “Diário”, em Santo André.
Em 1988, retorna ao Brasil e vai morar em Salvador, onde passa a publicar no “Jornal da Bahia”. Por lá, as coisas não iam bem e após dez anos no Brasil, Carcamo resolve voltar para o Chile.
Foi aí que ele deu de cara com um exemplar d´ “O Pasquim” que, na época, vinha encartado no “Jornal da Bahia” e resolveu escrever para o semanário carioca.
Jaguar, impressionado com a arte do chileno, publicou duas páginas com os trabalhos do caricaturista, com um texto pedindo que dessem uma ajuda para que o rapaz não voltasse a cair nas garras do ditador Pinochet.
"Isso de publicar na imprensa devo ao Jaguar. Foi ele que publicou minhas caricaturas no Pasquim, em 1986. Guardo profunda gratidão e admiração por ele, por Trimano, Miran e Paulo Caruso, que me ajudaram a projetar o meu trabalho por aqui", afirma.
A seguir, surge o convite para a exposição "Faces", no Rio de Janeiro, ao lado dos grandes caricaturistas do Brasil: Trimano, Loredano e Chico Caruso.
Depois disso, o artista não parou mais, já desenhou para diversos jornais e revistas brasileiras como “Isto É”, “Veja”, “Carta Capital”, “Época”, “Penthouse”, e “Folha de S.Paulo”.
Em 1989, a publicação de suas caricaturas na revista “Gráfica”, dirigida por Oswaldo Miran, impulsiona sua carreira na área editorial.
Cárcamo publicou cinco livros voltados para o público infanto-juvenil entre eles "O Amigo Fiel", adaptação de um conto de Oscar Wilde; “Lorotas da Cobra Gabi ”; “ A Fantasia do Urubu Beleza” (Melhoramentos); “Thapa Kunturi” (Companhia das Letras) e “Gelo nos Trópicos” (Companhia das Letrinhas).
"Tenho verdadeira paixão por escrever e ilustrar livros para crianças", confessa.
A partir do ano 2000, aliou a escrita e o desenho à paixão por pintar aquarelas. No mesmo ano, inaugura uma galeria de arte, conhecida como Mangue Galeria em Paraty (RJ).
Hoje, além de ilustrar livros, Cárcamo pinta ao ar livre e dá aulas de aquarela em seu atelier situado no coração da Vila Mariana, em São Paulo.
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