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OS 50 ANOS DO PASQUIM

Edição d'O Pasquim (Foto: Divulgação)

Rio - Há 50 anos, o país vivia sua pior ditadura.

Eram os anos de chumbo do governo Medici. Um dos períodos mais sombrios e conturbados da história do Brasil.

O AI-5 fora decretado e parte da imprensa estava sob censura.

Jornais foram fechados e mais de quinhentos livros - metade do que a Inquisição proibiu nos países católicos em mais de seis séculos - foram censurados.

Ainda assim, três jovens jornalistas do extinto “Última Hora”, resolveram desafiar a ditadura e criar um jornal debochado e anárquico.

Tudo começou mais ou menos assim:

Há dois meses do AI-5, Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, mais famoso colunista do jornal “Última Hora” faleceu, deixando órfão, não só o jornal de Samuel Wainer, mas também “A Carapuça”, um semanário satírico de propriedade de Murilo Reis e Altair Ramos, donos da Distribuidora da Imprensa.

Murilo, então, procurou Tarso de Castro para assumir a edição de “A Carapuça”. Tarso, entretanto, não aceitou tocar o semanário, preferindo criar um novo jornal, no formato tabloide, meio humor e meio sério.

Para isso, convidou Jaguar e Sérgio Cabral, companheiros de “Última Hora”. Assim, nascia, na Rua do Resende, na Lapa, “O Pasquim” um jornal com a cara de Ipanema.

Tarso convidou, também, Ziraldo e Millôr Fernandes, que recusaram. Millôr chegou a escrever um artigo prevendo o final da publicação em poucos meses.

“Um jornal feito só por jornalistas, e de humor, em pleno AI-5?” - não tem como dar certo, profetizou, Millôr.

“O Pasquim”, deu.

Os primeiros a se juntarem ao trio foram o publicitário Carlos Prósperi e o cartunista Claudius Ceccon, do “Diário Carioca”.

Depois deles vieram, Luiz Carlos Maciel, Fortuna, Ziraldo, Paulo Francis, Henfil, Nani, Flávio Rangel e Millôr, entre outros.

Não era um jornal sério. As reuniões de pauta eram realizadas nas mesas de botecos da Lapa, ou no Zeppelin e Jangadeiro, na Zona Sul.

Ainda assim, o jornal que o pessimismo de Millôr condenara à vida curta, durou 22 anos. Foi um sucesso estrondoso: começou com 14 mil exemplares e chegou a 225 mil no número 32.

O Pasquim revolucionou pelo uso do humor como forma de contestar o cenário político e pelo uso de uma linguagem coloquial - incluindo palavrões e gírias - que agradavam ao grande público e desagradava os militares.

A novidade, no entanto, não foi, como parece, uma sacada genial da turma que criou o tabloide. Foi, na verdade, por bebedeira e preguiça que Jaguar, encarregado de transcrever e editar a primeira entrevista do jornal, resolveu publicar na íntegra o papo com Ibrahim Sued.

O leitor gostou do formato e a fórmula virou padrão do jornal.

Os militares, no entanto, não acharam nada engraçado.

O hebdomadário foi várias vezes censurado, e no dia 1 de novembro de 1970, metade da redação foi presa. Foram recolhidos ao quartel da Vila Militar: Jaguar, Sérgio Cabral, Paulo Francis, Ziraldo, Fortuna, Flávio Rangel, o fotógrafo Paulo Garcez e o diretor comercial José Grossi.

O “Pasquim” - já sem o artigo - só deixou de circular em 1991, quando o país já vivia uma democracia.

O tiro dos militares, que tentaram silenciar o jornal, saiu pela culatra.

Por ironia, o “Pasquim” saiu das bancas para entrar para a história.

Ediel Ribeiro (RJ)

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Ediel Ribeiro é carioca. Jornalista, cartunista e escritor. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) do romance "Sonhos são Azuis". É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG). Autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty" publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ) e Editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!". O autor mora atualmente no Rio de Janeiro, entre um bar e outro.

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