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Prisão dos matadores de Marielle e de Anderson será 'cala boca'?

Estimados leitores d’O Folha de Minas, será mesmo que a prisão dos ex-PMs acusados de assassinar a vereadora Marielle e o motorista Anderson é um “cala boca” à sociedade? Quem afirma que sim, com propriedade, é o autor do livro Dos barões ao extermínio: a história da violência na Baixada Fluminense. Ele, o sociólogo José Cláudio Souza Alves, ex-Pró-Reitor de Extensão da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), não deixou nenhuma dúvida quanto a sua opinião na entrevista ao jornal El País. Afinal, acumula mais de 25 anos em pesquisas sobre a atuação das milícias. E nos deixa (o óbvio) perguntas abertas sobre quem mandou matar e por quê.

Às vésperas do brutal assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e do motorista Anderson Gomes completar um ano, 14 de março, foram apresentados como assassinos Ronnie Lessa, sargento reformado da Polícia Militar, e Elcio Vieira de Queiroz, soldado expulso daquela mesma corporação militar.

“Para mim - disse o sociólogo José Alves - o assassinato de Marielle sempre teve vínculo com a milícia, principalmente pela forma como ocorreu. A questão não é saber apenas quem cometeu o crime. O importante agora é chegar aos mandantes, naqueles que estão por trás. Com certeza, tem grana e gente de poder envolvido no caso. É preciso ter a capacidade de investigação para chegar em toda essa rede, mas, como eles (os criminosos) estão dentro do Estado, é complicado. É muito estranho que, depois de um ano, cheguemos à prisão de apenas dois indivíduos. Ninguém garante, de momento, que eles não são bodes expiatórios colocados para proteger nomes mais importantes. Já vimos que foram identificados possíveis vínculos do filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, com milicianos. Como a polícia e o Estado, em si, estão comprometidos, há dúvidas sobre todo o processo. A Justiça está colocada em xeque. O Estado virou um biombo entre o legal e o ilegal, e os grupos que operam dentro dele são os que mais se beneficiam. Os questionamentos são esses: como essa investigação aconteceu? Como chegaram a esses dois nomes? Quem está por trás desses nomes?”

Segundo o sociólogo, o assassinato de Marielle e Anderson não serviu de estímulo para melhorar as investigações sobre os crimes de grupos organizados. Ele diz que, “na verdade, considero que a situação piorou, porque há um respaldo político e jurídico para ampliar o poder dos agentes de segurança que estão vinculados às milícias, que se perpetuam com mais força. A prisão dos dois PMs acusados de matar a vereadora é ‘um cala boca’ para a sociedade como um todo, que reivindica uma elucidação. Com isso, cumpre-se quiçá uma meta, mesmo um ano depois, mas é uma exceção que confirma a regra: esses grupos continuam crescendo, são intocáveis e mantêm sua estrutura de poder político e econômico. Temo que as investigações não avancem, que fiquem nessa dimensão superficial, sem chegar aos mandantes. E aí, nós nunca saberemos, já que o próprio Estado, envolvido no crime, que investiga. É uma farsa, uma sensação ilusória de segurança que só alimenta a lógica dos matadores e dos grupos de extermínio, além de dar gás à máxima do ‘bandido bom é bandido morto’. O quadro atual favorece os milicianos”.

Na opinião de José Alves, sobre que influência poderia ter o pacote de lei anticrime apresentado pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, no combate a grupos criminosos, “não é com o excludente de ilicitude, permitindo que um agente de segurança do Estado possa matar livremente sob forte emoção ou situação de segurança que vamos solucionar o problema. Pelo contrário. O número de chacinas cometidas por policiais tem aumentado no Rio, e essa proposta fortalece os grupos que já praticam execução sumária dentro do aparato do Estado. O matador que antes colocava um gorro na cara e transformava-se em miliciano para executar alguém, já não precisa vestir essa máscara. Agora, ele pode sair de cara limpa, matar e dizer que foi no cumprimento de seu dever, que estava sob forte emoção. E não há ninguém que controle isso, porque esse agente é a ponta do Judiciário que investiga. Esse policial atua diretamente nas ruas e é quem está no momento da apreensão. Ele tem um poder capilar na ponta da estrutura Judiciária para proteger-se. As milícias vão atuar de modo mais organizado, matando mais gente. E a proposta de Moro só aumenta o punitivismo. Prender mais gente não resolve o crime organizado”.

O autor Dos barões ao extermínio: a história da violência na Baixada Fluminense crê que a milícia não é um poder paralelo, mas o próprio Estado, e não sabe como será possível quebrar seu braço político.

“É uma questão muito complexa porque o ramo político das milícias conta com a proteção de grupos mais poderosos, tanto no âmbito municipal quanto estadual e, agora, ao que tudo indica, no federal também. Quanto mais fortalecido, mais vão atacar, porque o ataque é sua defesa. Então seu modus operandi é desqualificar as investigações judiciais, o trabalho jornalístico, e criar guerras argumentativas a partir de fake news. O mais grave é o risco de manipulação das investigações, colocando pessoas vinculadas a eles na condução dos processos. De momento, só podemos esperar que isso não aconteça”

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