Um pedido de vista coletivo adiou nesta quarta-feira (19) a votação do substitutivo do senador Roberto Requião (PMDB-PR) à proposta que tipifica crimes por abuso de autoridade. Em meio a uma disputa entre parlamentares e integrantes do Ministério Público e do Judiciário, esta é a terceira versão da proposta que originalmente foi apresentada pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL). A nova votação ficou marcada para a próxima semana.
O texto de Renan recebeu críticas e acusações de que seria uma vingança à atuação de juízes e procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato, entre eles Sérgio Moro, responsável por julgar os processos da operação na primeira instância. Com base em uma a proposta sugerida pela Procuradoria-Geral da República e transformada em projeto pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o substitutivo estabelece 30 condutas que devem ser criminalizadas. Entre elas, decretar prisão preventiva em desconformidade com a lei e submeter investigado ou testemunha a condução coercitiva antes de tê-lo intimado. O projeto diz ainda que devem ser punidas condutas com finalidade específica de prejudicar outrem, beneficiar a si ou por capricho.
Durante a leitura do relatório, o senador Requião, que fez várias mudanças na proposta dos procuradores, disse que a primeira preocupação dele ao assumir o tema foi evitar o chamado "crime de hermenêutica", ou seja, punir o agente por divergência na interpretação da lei. O senador destacou que não permitiria que isso acontecesse, mas ainda assim esse ponto do relatório recebeu críticas. O senador decidiu mudar a redação para deixar claro que, para a configuração do abuso, não basta a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, sendo necessário que esteja presente o dolo de prejudicar, beneficiar ou satisfazer-se pessoalmente.
“Espero com isso colocar ponto final, afastando injustas ilações de que se tinha intenção de punir magistrados e promotores”, afirmou.
Críticas
Integrantes do Ministério Público defendem que o texto que está em discussão pode tirar a independência de procuradores e juízes e inviabilizar investigações mais complexas contra a corrupção, como a Lava Jato. Desde que a proposta começou a tramitar, Sérgio Moro questionou a possibilidade de um juiz ser punido por tomar uma decisão que venha a ser modificada por instância superior, o chamado “crime de hermenêutica”, ou divergência de interpretações de atos ou fatos.
Ao ler o novo relatório nesta quarta-feira, o senador Requião pediu que fosse suprimido o trecho em que constava que o juiz Sérgio Moro foi consultado sobre o texto e teria concordado com a redação. O senador esclareceu que Moro não foi consultado sobre a versão final.
A manifestação do senador veio depois de uma reclamação do juiz, por meio de uma nota divulgada por sua assessoria de imprensa . "Consta, no parecer do senador Requião sobre o projeto da lei de abuso de autoridade, afirmação de que eu, juiz Sérgio Moro, teria sido consultado e concordado com a redação por ele proposta para o parágrafo segundo do Artigo 1° do substitutivo. Isso, porém, não é verdadeiro, estando o senador absolutamente equivocado pois não fui consultado e não concordo com a redação proposta”, reclamou Moro, que já esteve no Senado para apresentar suas divergências em relação à proposta.
Ontem (18), por meio de um vídeo divulgado em sua página no Facebook, o coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, procurador Deltan Dallagnol, pediu que a população se manifeste contra o projeto de abuso de autoridade. Na gravação, ele diz que a proposta em análise no Senado pode "calar de vez a força-tarefa da Lava Jato e o próprio juiz Sérgio Moro". “Não permita que isso aconteça. Se manifeste contra essa lei, viralize esse vídeo, expresse sua indignação, faça sua voz ser ouvida pelos políticos. Vamos lutar juntos contra a impunidade e a corrupção”, disse. Na mesma postagem outro procurador, Carlos Fernando Lima, que também integra a Lava Jato, diz que o projeto promove uma verdadeira vingança contra a operação.
O vídeo dos procuradores também foi criticado por Roberto Requião. Na CCJ, o senador disse que mal intencionados postaram um jogral pedindo a mobilização popular “para que o arbítrio contra o povo simples do Brasil seja mantido, em nome da sacralização de uma corporação, que não por todos os seus membros, mas por um grupo de fundamentalistas, mal ou bem intencionados, se acha parecida com as atribuições cometidas aos oráculos de Delfos e de Delos ou às antigas pitonisas dos tempos gregos”.
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