
Rio de Janeiro - Não conheci Carlos Leonam, a não ser por seus textos publicados na imprensa. Do Globo ao Jornal do Brasil, da IstoÉ à Veja, do Jornal dos Sports ao Pasquim, do Cruzeiro a O Dia e, por último, na Carta Capital.
É dele a frase: Esquerda Festiva.
“Existe, também, a Esquerda Festiva!” A frase, ouvida pelo Ziraldo, na madrugada do Bar Bem, não é só um achado. É também mais uma pérola do Leonam.
O cara da frase, o ‘tal’ Leonam, é o jornalista, fotógrafo e colunista Carlos Leonam, um dos inventores da Ipanema mítica dos anos 60. Leonam foi o criador do ritual de aplaudir o pôr do sol; inovou usando o termo “fossa” como sinônimo de depressão e deu nome à Rua Vinícius de Moraes. Um carioca genial.
É. Leonam, reza a lenda, foi o "inventor" do célebre ritual de aplaudir o pôr do sol na Praia de Ipanema, conforme relatou o jornalista Zuenir Ventura certa vez: “Era um dia de verão, no final dos anos 60. A praia de Ipanema estava cheia, não tinha uma nuvem no céu, o sol brilhava alto. De repente, uma voz gritou:
'Pessoal, essa tarde merece uma salva de palmas!'
Imediatamente, o grupo que estava na altura do Posto 9, deu início aos aplausos. Nascia ali uma tradição de Ipanema, aprovada por uns e tida como besteira por outros poucos. Mas que perdura até os dias de hoje. A voz era do jornalista Carlos Leonam, figurinha fácil naquele point. A cidade que, segundo Nélson Rodrigues, vaiava até minuto de silêncio era capaz, também, de aplaudir o entardecer", contou Zuenir.
Quando Leonam parou de escrever e se exilou em Paraty-Mirim, Paulo Francis, escreveu: “Só lamento que tenha deixado a imprensa diária. Há grande falta de jornalistas que saibam escrever.”
Verdade. Leonam foi um grande jornalista, da estirpe de Paulo Francis, Tarso de Castro, Sérgio Cabral e outros. Atuou nos melhores jornais, escrevendo sobre os mais variados assuntos com muita competência. Sua coluna no Jornal do Brasil - entre 1967 e 1968 - “Carioca Quase Sempre”, é um registro definitivo dos anos dourados da boemia intelectual de Ipanema.
Carlos Leonam Rosado Penna foi um fotógrafo, jornalista e colunista, formado em direito pela Universidade do Brasil. Apaixonado por futebol e torcedor do Fluminense, foi morador de Ipanema, de 1960 até 2009.
Nascido no dia 5 de maio de 1939, no bairro do Catete, no Rio de Janeiro, era filho do botânico e naturalista mineiro Leonam de Azeredo Penna e da professora fluminense Dorcelina Rosado Penna; viveu até os 29 anos na Rua Alfredo Chaves, em Botafogo, onde aos 10 anos criou o jornal "A Voz da Rua", já dando mostras da própria vocação.
Frequentava a praia no mesmo point que Glauber Rocha, Ziraldo, Jaguar, Jô Soares e a galera do “Pasquim”. Em frente à Farme de Amoedo, ficava a turma de Gal Costa, os artistas e músicos. Era uma época efervescente.
Perto dali, em frente à praia, ficava o Mau Cheiro, botequim onde o pessoal ia para comer croquetes. Outra pedida, eram os cachorros-quentes Geneal, uma das únicas opções de alimentação por ali, na época. Antigamente, só tinha o Geneal na calçada, com o limãozinho e o mate.
“A praia já não é a mesma. Vende-se até sushi. Para mim, a única coisa boa de hoje é o Beduíno, com a esfirra e o quibe” - lamentava-se Leonam.
Repórter e fotógrafo desde os 16 anos, Leonam foi editor executivo do jornal "Canal 100", que era exibido nos cinemas antes da apresentação de filmes. Foi também um dos produtores e roteiristas dos documentários ‘Futebol Total’ (1974) e ‘Brasil Bom de Bola’ (1978), ambos produzidos pelo Canal 100 de Niemeyer.
Foi também assistente de direção em ‘O Fabuloso Fittipaldi’ (1973), filme de Hector Babenco e Roberto Farias. No cinema, fez ainda duas pontas como ator: no filme de Leon Hirszman ‘Garota de Ipanema’ (1967) e no filme de Hugo Carvana ‘Bar Esperança’, ambos no papel de si mesmo.
Algumas histórias do bairro são lembradas em seu livro “Os Degraus de Ipanema”, de 1997. A obra reúne textos de Leonam publicados entre as décadas de 1960 e 1990 em jornais e revistas. O livro conta que a frase “Esquerda Festiva” foi pronunciada numa festa do antigo Bar Bem, na década de 1960, quando o então Ministro das Relações Exteriores do governo de João Goulart, San Tiago Dantas decidiu que haviam duas esquerdas: a positiva e a negativa. Leonam, que estava dançando, correu para a mesa, onde também estava Ziraldo, e disse que tinha outra esquerda. Era a esquerda festiva.
Também foi Leonam quem sugeriu trocar o nome da antiga Rua Montenegro para Vinicius de Moraes. Logo após a morte do poeta, em julho de 1980, ele deu a ideia ao amigo Rubem Fonseca, na época diretor da Fundação Rio. Fonseca levou a sugestão ao prefeito, Júlio Coutinho, que aceitou.
Inovou, também, usando o termo “fossa” como sinônimo de depressão ou tristeza, nos anos 60. Leonam foi o primeiro a usar a expressão. A palavra, que até então era apenas ligada ao esgoto, ganhou novo sentido: ficar “na fossa” passou a ser estar em estado de melancolia, na pior, de coração partido.
A coluna semanal de Carlos Leonam, no Jornal do Brasil, na década de 60, era um termômetro da boemia intelectual de Ipanema. Divulgou o encontro de Leonam com Mick Jagger e Marianne Faithfull no apartamento de Fernando Sabino; outra nota que mexeu com toda a sociedade ipanemense, em agosto de 1965, dava conta de que Carlos Leonam circulava na noite carioca, em seu fusca azul, com a mulher mais bonita do mundo naquele momento, a atriz italiana Claudia Cardinale.
Leonam conta que tudo não passou de uma brincadeira da atriz americana que veio ao Rio filmar “Uma Rosa Para Todos”, e ao desembarcar do fusca azul do repórter da Tribuna da Imprensa, em frente ao Antonio’s, e ver os paparazzi à espera, combinou: “Quando a gente sair do carro, você bota a mão no meu ombro, e vamos matar teus amigos de inveja.”
Matou mesmo.
Repórter fotográfico, Leonam recebeu um Prêmio Esso por uma foto do astronauta russo Yuri Gagarin, clicada no Alto da Boa Vista; esteve na posse do papa João Paulo II, em 1978, acompanhou Copas do Mundo e Olimpíadas. Entre suas mais icônicas fotos, além da de Gagarin, destacam-se a de Leila Diniz grávida, em 1971, mostrando sem nenhuma vestimenta a sua barriga na praia de Ipanema, e a foto de Chico Buarque para a capa do disco ‘Construção’.
O jornalista Carlos Leonam morreu no Rio no dia 25 de abril de 2024, aos 84 anos, vítima de uma pneumonia bacteriana. Deixou três filhos: Manoela, Caetano e Elisa e dois netos, Cecília e Oliver.
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