PEC da Blindagem: a legalização da impunidade no Congresso
Ao aprovar a chamada PEC da Blindagem, deputados mostram que legislam em causa própria. O discurso de defesa da democracia não passa de maquiagem para garantir foro, sigilo e poder ilimitado.
Itabira (MG) - A Câmara dos Deputados deu mais um passo para transformar o Parlamento em uma fortaleza de privilégios. Aprovou a chamada PEC da Blindagem — que muitos brasileiros já rebatizaram de PEC da Impunidade, PEC da Autoproteção e até PEC da Sacanagem. Os nomes são variados, mas o sentido é um só: blindar deputados e senadores contra qualquer responsabilização criminal ou civil.
A justificativa de que a medida garante “independência” ao Legislativo é uma falácia. Os parlamentares já têm imunidade de fala. Nunca houve prisão de deputado por criticar o presidente da República ou ministros do Supremo Tribunal Federal. O que eles buscam, com essa manobra, é bem mais grave: um salvo-conduto para cometer crimes, esconder votos e manter negócios escusos sob o manto da legalidade.
As pesquisas apontam que a maioria da população rejeita a proposta. Mas isso pouco importa aos que hoje transformam a Câmara em sindicato de autoproteção. Deputados aprovam o que for preciso para garantir que ninguém “de dentro” caia. Mais ainda: querem o voto secreto para que o eleitor não saiba como se posicionaram. É a negação da transparência.
O que verdadeiramente incomoda os parlamentares é a obrigação de prestar contas sobre o uso do dinheiro público. O debate sobre emendas parlamentares — que já somam R$ 50 bilhões por ano — revela isso. Ao contrário de defender a correta aplicação dos recursos, querem que tudo fique na sombra. Não à toa, a PEC foi aprovada em meio a atritos com o ministro Flávio Dino, que investiga irregularidades no destino dessas verbas.
A proposta também fortalece interesses criminosos. Organizações ligadas a milícias, ao tráfico e a esquemas de corrupção têm agora ainda mais incentivo para disputar vagas no Congresso. Não pelo dinheiro, que já movimentam em larga escala, mas pela blindagem institucional que garante impunidade. Imagine um parlamentar acusado de crime organizado ser julgado pelos próprios colegas: alguém acredita que haverá autorização para investigá-lo?

E há um detalhe ainda mais perverso: a extensão desse foro privilegiado a presidentes de partidos. Estamos diante de um absurdo jurídico e democrático. Presidentes de legendas não são eleitos pelo povo. São dirigentes que, em muitos casos, tratam as siglas como propriedade privada, sustentadas por bilhões em fundo partidário. Dar a eles proteção judicial é premiar o coronelismo moderno.
É nesse ponto que a narrativa contra o Supremo desmorona. Parlamentares da extrema direita insistem que ministros não têm legitimidade porque não foram votados. Mas omitem que esses mesmos ministros são indicados pelo presidente da República — eleito pelo voto popular — e sabatinados por senadores — também eleitos pelo povo. Chegam à Corte com legitimidade democrática indireta, mas sólida.
O que se vê é uma tentativa desesperada de moldar a lei aos interesses de quem ocupa o poder. Não à toa, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), mesmo vivendo no exterior onde articula sanções contra o próprio país, segue protegido pelo manto legislativo e agora ganhou de presente a indicação como "líder da minoria" na Câmara, uma forma de evitar a cassação pelas faltas injustificadas e preservar seu mandato. A lógica é simples: se a lei não me protege, eu a ajusto até que proteja.
A aprovação da PEC da Blindagem é mais que um erro: é um golpe contra a transparência, a Justiça e a democracia. Não protege mandatos, protege crimes. Não garante independência, garante impunidade. E, se o Senado confirmar essa afronta, o eleitor brasileiro descobrirá tarde demais que entregou ao Congresso a chave da própria cela.
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