Religião e política: uma mistura explosiva nas ruas do Brasil
Atos de 7 de setembro mostram como líderes evangélicos tentam transformar fé em arma política
As manifestações do 7 de setembro, que deveriam ser um espaço de celebração da independência e da democracia, foram capturadas por um movimento de conotação religiosa e política. Em diversas cidades do país, a cena foi a mesma: milhares de fiéis, levados por seus pastores, repetindo palavras de ordem contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e em defesa de Jair Bolsonaro. Na prática, uma tentativa clara de reescrever a narrativa sobre a tentativa de golpe de Estado de 2022, minimizando provas já reunidas pela Polícia Federal.
Pastores como Silas Malafaia e Sóstenes Cavalcante não apenas discursaram, mas assumiram a linha de frente do protesto, transformando o que era para ser uma manifestação cívica em um ato de pressão política. A crítica principal se concentrou no ministro Alexandre de Moraes, relator das ações sobre a tentativa de golpe de Estado. Não é a primeira vez que líderes religiosos se colocam nesse papel, mas a insistência em atacar instituições democráticas revela um risco maior: o de consolidar a religião como braço político organizado.
A contradição, no entanto, é evidente. Muitos dos que hoje denunciam uma suposta “ditadura de toga” são os mesmos que acamparam diante de quartéis pedindo intervenção militar e a volta do AI-5 — o ato mais autoritário da ditadura militar. Se dizem “patriotas”, mas exibem bandeiras estrangeiras e slogans em inglês.
A ligação direta com os episódios de 8 de janeiro é inegável. Uma parte significativa dos presos por participação nos ataques em Brasília saiu das igrejas desses mesmos líderes religiosos. Se antes foram incentivados a ocupar as ruas, agora os pastores exigem anistia ampla — uma tentativa de apagar o papel que tiveram em estimular a insurreição.
A história ensina que religião e política, quando confundidas, tendem a gerar regimes autoritários. O Afeganistão, sob o Talibã, é exemplo claro dos perigos da instrumentalização da fé. No Brasil, onde a Constituição garante um Estado laico, essa fusão representa não apenas um risco ao equilíbrio democrático, mas também à própria liberdade religiosa.

Democracia se faz com instituições independentes, imprensa livre e respeito à diversidade. Quando líderes espirituais assumem o papel de chefes políticos, carregando multidões em nome da fé, o que se constrói não é cidadania, mas submissão. E um país que confunde púlpito com tribuna corre o sério risco de transformar a fé em arma — e a democracia em refém.
No fim das contas, fica a inquietação que não se resolve com aplausos em praça pública nem com discursos inflamados no púlpito. Pode um líder religioso vestir-se de profeta para atacar autoridades constituídas e transformar a Bíblia em arma política? Será que acreditam, de fato, em todo o livro que carregam debaixo do braço, ou apenas nas passagens que servem à ocasião?
É curioso notar que a mesma Escritura tantas vezes citada em defesa da desobediência traz, em Romanos um lembrete importante:
“Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há autoridade que não venha de Deus; as autoridades que existem foram por Ele estabelecidas. Portanto, aquele que se rebela contra a autoridade está se opondo contra o que Deus instituiu, e aqueles que assim procedem trazem condenação sobre si mesmos.” (Romanos 13: 1-2)
Talvez aí resida o maior paradoxo — pastores que clamam por rebeldia contra o Estado ignorando justamente a parte do texto sagrado que os adverte sobre a condenação de quem se opõe ao que foi instituído.
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